terça-feira, 31 de janeiro de 2017

Trocada à nascença

Uma aranha-caranguejo-das-flores, de seu nome Misumena Vatia, que cresceu num jardim de flores amarelas à guarda de uma planta de acolhimento,  reencontrou finalmente a sua verdadeira dona, noticiou hoje o Diário de Bloguices.

Segundo fontes da instituição que a acolheu, quando a sua progenitora faleceu nas horas subsequentes à postura dos ovos, ocorreu uma tempestade que arrancou a teia onde estes se encontravam, tendo o casulo que os continha caído sobre um teia vizinha. A tempestade foi de uma violência fora do comum afastando os progenitores do local. Quando os ovos eclodiram e as pequenas aranhas finalmente procuraram refúgio correndo para as fendas dos blogs mais próximos, muitas pereceram. Misumena revelou ser uma pequena aranha de extrema sensibilidade. Sem a mãe para a orientar no caminho para o blog a que pertencia, acabou sendo recolhida por um jardim de flores amarelas.

Leitora assídua, Misumena não perdia uma edição do Diário de Bloguices e foi através dele que tomou conhecimento da história de Milu, uma aranha raptada a uma Flor por uma Pirata. Seguiu durante alguns dias a evolução da história e quando percebeu que Milu havia sucumbido totalmente à influência da tripulação do barco pirata em que era refém, juntando-se voluntariamente a ela e mostrando-se pronta para participar em combates do corso, Misumena percebeu que Milu nunca tinha pertencido verdadeiramente ao blog da Flor e resolveu procurar ajuda no Centro de Exames Genéticos de Teias de Aranhas Que Vivem em Blogs. Fez um teste de maternidade e tal como ela imaginava, deu positivo.

Segundo o Diário de Bloguices, estão agora em marcha as diligências para a reposição da verdade e o reencontro definitivo de Misumena com a sua Flor.


domingo, 29 de janeiro de 2017

Passeio de domingo (342)


Continuo a voltar atrás no tempo para trazer aqui um passeio do inverno de 2014. Começou na Lagoa dos Salgados e prosseguiu na praia da Galé. 









sábado, 28 de janeiro de 2017

(a)Mar

Já te disse mas repito, tenho uma memória traiçoeira. Sinto que me esqueço de muito, duvido por vezes daquilo que recordo. Hoje, porém, tenho a certeza que falavas do mar quando te conheci. Era do mar, sim. E do amor também. Um barco, talvez. Trocámos palavras. É bonito, isto de trocar palavras. Uma dádiva mútua, um afago. Hoje faltam-me as tuas palavras e as minhas lamentam-se, aqui, sós. Podias ao menos dizer-me se te lembras, e se era mesmo do mar que falavas.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

É hoje...

... que faço um post daqueles que se intitulam e tu, (neste caso Luisa) o que vês da tua janela?


Um ovni.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Paisagem breve

De tarde o sol espreita aqui para dentro. Mira-se nas paredes da sala e, por instantes, impõe-me o seu poder. Deixa-me mensagens de luz e sombra. Escreve-me palavras novas e altera-me a paisagem da casa. Depois, desliza até ao chão e antes que o decifre, apaga-se.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Estou com a mosca


Noticiário

Notícias do difusor
Ainda vive. Acho que há pouco até detetou os meus movimentos na sala. Deve levar a sério a questão do envelhecimento ativo.

Notícias da lesão do pé
As canadianas deixam-me as mãos dormentes.

Notícias dos jornais
Parece que o Evereste perdeu 2,5 cm de altura.

Notícias da mosca
Passou para o post de cima.

domingo, 22 de janeiro de 2017

Passeio de domingo (341)


Volto a passear sentada ao computador e, vasculhando o arquivo de janeiro 2015, encontro por lá um domingo entre a  praia do Garrão e a Quinta do Lago.








sábado, 21 de janeiro de 2017

A reinvenção do tempo



O tempo continua dormente do frio que o sol mal atenua e eu enrolo-me, aqui,  sobre mim própria, incapaz de uma fuga.

O tempo mergulha num sono sem sonhos, enreda-se nas raízes tenazes do inverno, sufoca em águas turvas de dúvidas e tormentos. 

O tempo tem uma cor que não se diz, um cheiro que lhe falta, um toque de arrepio.

O tempo sabe que se pode salvar ainda. Eu com ele, também. Bastará uma fala, um dizer, um ouvir. Bastará uma palavra breve. Reinventada.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Noeud coulant

Vêm-me à ideia episódios antigos, detalhes de histórias passadas, risotas inconsequentes, paixonetas e alcunhas que lhes eram dadas, como códigos, para que só entre as confidentes se soubesse de quem falávamos. Mas a memória está sempre a pregar-me partidas e hoje, recordando algumas dessas alcunhas, não sou capaz de dizer ao certo o que as originou.

Havia um rapaz a quem chamávamos noeud coulant. Era um dos borrachos da escola, o cabelo, solto, chegava-lhe quase aos ombros e fazia-nos sempre rodar o pescoço para dar mais tempo ao deleite do olhar. Era o noeud coulant e hoje não tenho a certeza se, de verdade, ele usava uma corda ao pescoço com um nó corredio, ou se era apenas uma gravata estreitinha que o adornava. Penso e volto a pensar, puxo o mais que posso pelas lembranças mas só me recordo de o espiarmos o mais que podíamos, sonhando com uma eventual conversa que se viesse a proporcionar nos corredores da escola.

Depois mudei de país e terminei o secundário com outras amigas e outras alcunhas dadas aos rapazes. Ainda hoje as encontro manuscritas em margens de velhos cadernos. A explicação para essas alcunhas é que continuo a não encontrar.  Mas convenço-me de que, na realidade, elas não carecem de qualquer explicação e contento-me com a sua memória.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Minudências do sol e do vento

Desde manhã que o vento sopra de leste. Na primeira linha da minha visão não se consegue perceber a direção que toma, pois as árvores balouçam de mansinho ora para um lado, ora para outro. Mas ao longe, o fumo de uma queimada, que desde cedo produz uma névoa ondulante, desvenda-me sem nenhum desvio o sentido certo do sopro. No local da fogueira, impossível de vislumbrar de onde me encontro, adivinho um fogo manso, controlado pelo dono do terreno, alimentado aos poucos por pequenos amontoados de material vegetal seco e sem préstimo. Tudo feito com vagar, aproveitando o frio do dia e a preguiça do vento. O fogo e o esforço do homem que carrega os detritos para a queima, a sua lida constante, mantêm-lhe, estou certa, o corpo na temperatura adequada. Enquanto penso nisso, abro por instantes a janela. Confirmo que não estou suficientemente perto do sol e que o seu fogo, hoje, só me alcança por intermédio do vidro que volto a fechar apressada para, do lado de dentro de casa, sentir-lhe a morna carícia, que me atinge agora, vinda do lado oposto ao sopro do vento.

Mutantes

De repente, aquele blog que eu não via há algum tempo aparece-me atualizado na lista de leitura. Que bom, penso. E lá vou para ele na expectativa de um bom post e com a ideia de que o autor está a retomar a atividade e que me vou divertir porque costuma ser engraçado, e que vou gostar porque costuma ser inspirador, e que vou gostar porque me vou rever nas palavras ou nas imagens, e que vou gostar porque sempre aprendo algo novo com ele, e que vou gostar, ponto. 

De repente, entro no blog e fico num sobressalto. A meus olhos surgem assustadoras manchas de texto, incompreensíveis alfabetos, símbolos desconhecidos, páginas de erros, negócios estranhos. O endereço está certo mas ali não há o mínimo vestígio daquilo que era. Imagino que aquele espaço foi invadido por forças maléficas e saio de mansinho receando ser apanhada também por qualquer inimaginável monstro escondido no corpo daquele blog mutante.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

Em espera

Aqui estou eu, de novo acomodada com uma dose suplementar de paciência, as ilusões aplacadas para caberem na algibeira sem risco de transbordo, apertadinhas contra um lenço de papel. A realidade impõe a sua lei e os desejos não têm alternativa senão a da espera. Espero, então. Pela janela vejo, ao longe, traços brancos de avião que brilham ao sol. A menor distância, dois pássaros balouçam nos fios do telefone durante alguns segundos e seguem o seu voo. Não esperam por mim.

domingo, 15 de janeiro de 2017

Passeio de domingo (340)


Mais um flashback, desta vez até janeiro de 2015, para recuperar um passeio por várias praias da costa de Albufeira, em domingo de sol e céu azul.








Reciclagem

Na cozinha, a minha sogra atarefa-se de volta de um caldo verde e na preparação de uns biscoitos com restos de papas de milho. Não encontrou lenço para acomodar os cabelos. Resolveu a questão com um saco de plástico fino, um entre os muitos que trazem a fruta para casa e que eu guardo cuidadosamente enrolados, para reutilização.

sábado, 14 de janeiro de 2017

Determinação

Abro páginas ao lado de páginas. Navego de uma para outra. Rolo-as de cima para baixo, de baixo para cima. Contam-me histórias de hoje e de ontem e de antes de ontem. Leio histórias mais ou menos interessantes. Mais para menos que para mais. A culpa pode não ser das histórias. Na verdade, tenho a certeza que o problema não é das histórias. É em mim que falta o interesse. Insisto em despertá-lo passando para novas páginas, incrustadas nas primeiras. Procuro avivá-lo mas está amorfo.  Determinadamente amorfo.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

Limões

Da minha janela vejo dois limoeiros. Estão carregados de limões. Penso naquela máxima de profundidade facebookiana que, estando a vida (neste caso é mais a vista) a dar-me limões eu deveria aproveitar para fazer limonada. Não sei quem é o infeliz autor do mandamento mas se o calor do verão estivesse por perto até me veria a prepará-la e a refrescar-me com a singela bebida. Embora não sinta aqui os rigores do inverno, seria talvez mais apropriado aproveitá-los - aos limões - em chá. Não fosse, claro, dar-se o caso, como se dá, de eu não apreciar chá de limão. Poderia ainda, adicionando outros ingredientes que não apenas água, preparar algo mais elaborado. Confesso-me, por exemplo, de fraca resistência perante uma tarte de limão. Mas, já se sabe, uma tarte de limão, sobretudo daquelas merengadas, traz associados gravíssimos problemas de consciência. E eu, sem condições de procurar rapidamente uma absolvição, não vejo alternativa senão conformar-me em ficar aqui, à janela, simplesmente a olhar para a bonita cor amarela dos limões.

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O difusor

O difusor de aromas que coloquei há uns dois anos na casa de banho de serviço funciona com pilha e reage ao movimento, de modo que sempre que se entra naquele espaço, pffffff o difusor dispara. Ou disparava, porque a pilha já não é o que era e praticamente já nem pffffia. Também há bastante tempo que o aparelho carece de recarga de aroma. O facto é que aquele pfffiar acabou por me aborrecer e entendi que antes queria substituí-lo por um difusor discreto, de pauzinhos mergulhados em óleo de cheiro. No entanto, o tempo passou e, confesso que por desleixo, o difusor a pilhas mantém-se no seu posto, embora sem eficácia de função. Chego a esquecer-me de que está ali.

Sucede que há pouco, sem que nada o justificasse, eu aqui sentada ao computador, sozinha em casa, nem a mosca sequer por cá anda, me sobressaltou uma pfffffiadela. A sério, o difusor pfffiou que nem uma assombração e aqui estou eu, agora, petrificada na minha cadeira, escrevendo o caso para ver se alguém, entendido em fenómenos sobrenaturais, me pode facultar uma explicação.


segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Contraluz

Olho lá para fora, para o candeeiro de rua que encima o muro de vedação da casa, e vejo, em contraluz, dois ou três finos fios de uma teia de aranha. Cintilam ao ritmo do vento que os abana. Em contraluz também rodopiam as asas de minúsculos insetos. Cruzam o ar, para lá e para cá. Acertam-se, numa curiosa dança, com as suaves vibrações dos fios de seda da teia. Abaixo, no poial, está o vaso cheio de uma suculenta em flor, onde cresceu também, solitário, um dente-de-leão. De novo, é em contraluz que lhe vejo as pétalas, já feitas asas, a voar e a desintegrar-se ao vento. Com elas, na mesma cadência, segue, em contraluz, uma ideia transparente de eternidade.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Passeio de domingo (339)


Volto a janeiro de 2016 para não deixar este domingo sem passeio. Olhando o céu de hoje, mais branco que azul, parece-me que o dia se assemelha a este de há um ano atrás e suponho que o campo terá também algumas parecenças.








sábado, 7 de janeiro de 2017

Mar


Podias, talvez, trazer-me o mar aqui. Ou então, inventar-mo.

Sábado

Estava habituada a que o sábado fosse igual a um sábado. Limpezas, arrumações, estendais de roupa, sacos de compras, supermercado, almoço de peixe assado, máquina fotográfica, passeio no campo ou vistas de mar.

Estranho sábado, este, que apesar do almoço com peixe assado, não se assemelha a ele próprio. Está aqui comigo e noto-o exatamente igual a ontem, que foi sexta-feira, e a anteontem que foi quinta-feira, e ao dia anterior que foi quarta-feira, e a cada dia desta semana que finda hoje. Pobre sábado.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

A janela

Estou do lado de dentro da janela. A anca encostada à parede, o rosto quase a roçar o vidro, sinto-me como um gato que se aquece ao calor do sol, que bate agora na fachada e se ajeita na rota oblíqua que vai seguir até ao crepúsculo. O vidro está morno e do lado de fora o inverno apresenta-se com cores de primavera. O canteiro que ladeia a horta, na fronteira com a estrada, anima-se com margaridas roxas e uma trepadeira, de que ignoro o nome, com flores cor de fogo. Há o amarelo dos limões e o laranja das tangerinas. Entre as grelhas do paredão que cerca a casa, avisto a pimenta-malagueta. Tem frutos em vários estádios de cor: verde, negro, vermelho. Passa de vez em quando um carro. Há pouco passou o alfa, rumo à capital. Ouço as vozes de quem lida lá fora, os cães que ladram, o trânsito na nacional. Quase ouço o roçar das nuvens brancas contra o azul do céu. Gosto do calor que passa pelo vidro. Estou imóvel como um gato ao sol, ou apenas como uma velha à janela.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

A mosca

De manhã, com a janela aberta para arejar a casa, entrou uma mosca. Passou junto a mim, quando me encontrava de perna estendida sobre a almofada que amolece o toque da mesa baixa da sala, e nem pediu licença. Voou por onde bem entendeu, livre de eu lhe correr atrás com a varinha que, sem dúvida, lhe seria fatal. Voltei a vê-la rastejando pelo chão da cozinha e pensei que ela estava com sorte.  Até que chegasse alguém em condições de lhe dar caça, a mosca iria varejar pelos cantos da casa a seu bel-prazer e eu que me conformasse com a sua presença. Agora, a meio da tarde, a mosca passou novamente por mim a zumbir e foi contra o vidro da janela onde se passeia neste momento. O sol que já vai baixo faz penetrar aqui uma luz dourada e a mosca parece-me já impaciente. Deve estar farta de cirandar pela casa sozinha, sem companhia. Também eu, olhando pela janela me sinto atraída pela luz doce do sol da tarde. Decido abri-la para libertar a mosca da casa e a casa da mosca. Mas a tonta, meio atarantada, desorienta o voo e refugia-se no teto. Deixá-la. Fico eu encostada no parapeito da janela sorvendo o ar manso da rua e ouvindo o piar as aves nos ramos mais altos da alfarrobeira.

terça-feira, 3 de janeiro de 2017

Retrato

Levei a tarde a fazer retratos. Ora com lápis, ora com caneta. Ora copiando fotografias, ora copiando o reflexo de mim que se via no ecrã negro do computador em pausa. Repeti-me e voltei a repetir-me. Eu hoje, eu há dois anos, eu há três anos. Retratei-me em azul, em preto, em cinza, em castanho, em turquesa. Ora me pintei com lápis de cor, ora me deixei ficar em mero esboço. Risquei-me aqui e ali. Um borrão neste, uma cruz naquele. Estou agora repetida em várias páginas do meu caderno moleskine. Com mais ou menos bochecha, com mais ou menos rugas, com mais ou menos cabelo, com mais ou menos sorriso, com colarinho ou com decote, com colar ou com gargantilha, com óculos, sempre com óculos. Folheio agora os retratos. Procuro as semelhanças, os melhores e os piores traços. Aquele de que mais gosto é o que se parece menos comigo.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2017

Lenitivo

Ao segundo dia, o ano escolheu vestir-se cor de cinza e de vento. Ruge lá fora, não sei se de raiva ou de dor. Espreito-o pela janela, encostada à minha muleta. Calma, digo-lhe, temos ainda muitos dias pela frente. Vou fazer um chá, aquecemos as mãos em redor de uma chávena fumegante e a alma trincando pequenas broas de café que tenho ali numa caixa redonda. 

domingo, 1 de janeiro de 2017

Passeio de domingo (338)


Na impossibilidade de passear hoje de verdade, finjo passear, com imagens recuperadas de outras andanças, na esperança de que queiram também fingir comigo.