domingo, 31 de maio de 2015

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Post aberto a ti, blogger

Gosto de te visitar. Entro pela janela, como é costume por aqui. Entro sem bater. Por vezes apenas espreito para ver o que tens por aí exposto, à vista de quem passa. Outras vezes demoro-me e vou circulando pelas salas, observando e absorvendo o que há para ver, para ouvir e para ler. Por vezes, passo apenas silenciosa, sem deixar sinal de mim. Posso até deixar a minha impressão digital. Provavelmente dás por ela, aí no contador. Outras vezes resolvo mesmo deixar um bilhete. Tem dias. Espero que não te importes desta minha inconstância. Sou assim. Não me recrimines se nem sempre dialogo contigo ou com os teus outros visitantes. Não penses mal de mim. Não é falta de educação. Por vezes é só timidez. Ou cansaço. Um cansaço que me dá de mim mesma, um vazio que me assalta e me emudece.

terça-feira, 26 de maio de 2015

A andorinha

Há uma andorinha solitária que vem dormir todas as noites no rebordo da trave que segura o telheiro onde ponho a roupa a secar. É já noite, por vezes ainda lusco-fusco, quando vou estender a roupa. O sensor dá por mim e todo o espaço do telheiro se ilumina com a luz crua da lâmpada fluorescente. Já dorme, a andorinha. A luz parece não incomodá-la. Nem uma pena se move. Já a vejo há várias noites. Está sempre pousada no mesmo local da trave. Parece fazer uma escolha milimétrica daquele sítio. Não tem ali ninho. Não traz companhia. Só vem passar a noite. 

segunda-feira, 25 de maio de 2015

A pintura

Se eu soubesse, pintava. Pintava os campos ondulantes que vejo recortados suavemente no horizonte. Pintava-os na cor de oiro do pasto seco das forragens, com rolos gigantes de palha espalhados aqui e alinhados ali. Ao longe, pintava também uma carreira de círculos verdes, copas de árvores de geometria perfeita. E pintava ainda o céu, de azul pesado, acinzentado, de trovoada a chegar. Se soubesse, pintava até o cheiro da terra molhada por grossas pingas de uma chuva de maio, inesperada, desbragada, abafando poeiras. Se eu soubesse, pintava o voo planado da cegonha e o apressado do charneco. Pintava tudo isso e ademais pintava a estrada, negra de asfalto, linha reta rasgando a planície, engolida quilómetro a quilómetro pelas rodas do automóvel em que sigo viagem. 

domingo, 24 de maio de 2015

Passeio de domingo (247)


Desta vez, o domingo resolveu passear ao sábado. Cá está, por isso, o resultado do percurso de ontem, pelas sombras frondosas dos jardins da Gulbenkian, em Lisboa.







terça-feira, 19 de maio de 2015

Alpargatas

Comprei umas alpargatas. Perdão, umas espadrilles. Foi assim que as vi repetidamente mencionadas na revista de moda que folheei há dias no salão de cabeleireiro.

Ah oui.

Em francês é outra coisa.

O benfiquista

Esta manhã, a caminho do trabalho, cruzei-me com um benfiquista. Caminhava na berma da estrada, em sentido contrário à minha direção. Carregava uma mochila, um sorriso descomunal e um cachecol a dizer campeões esticado entre as duas mãos, para que todos os automobilistas pudessem ler. Li e fiquei a interrogar-me em que local ou momento dos festejos este adepto esteve encalhado, para se apresentar assim, ao mundo, dois dias depois.

domingo, 17 de maio de 2015

sexta-feira, 15 de maio de 2015

O relógio de parede

Finou-se o meu relógio de parede. Cheguei a casa ao fim do dia e o relógio que orienta a minha vida na cozinha marcava cinco para a uma. Fiquei logo atarantada. É a pilha, pensei. Mas, trocada a pilha, os ponteiros mantiveram-se teimosamente na mesma posição. 

Comecei a preparar o jantar antevendo o drama que ia viver nas horas seguintes. E assim foi. A cada movimento meu junto à bancada, dava por mim virada para a parede do relógio em busca das horas e dos minutos. Nada. O relógio, assim parado, começou a enervar-me. Retirei-o dali. Se já não tinha serventia, melhor não ficar na parede só a enganar-me o olhar. 

Ainda assim, manteve-se o meu tormento. Absolutamente condicionada pelo hábito de anos, continuei insistentemente a virar-me para a parede do relógio. Mas ela, agora vazia, apenas me devolvia o gancho em que o relógio costumava estar pendurado juntamente com a angústia de quem viu fugir o tempo. 

quinta-feira, 14 de maio de 2015

O noitibó

Ouvi há pouco um noitibó. É a primeira vez que o oiço este ano mas, sempre que começa o calor, ao crepúsculo, ecoam por aqui as suas vocalizações. Custei a descobrir a que bicho correspondia o som que costumava ouvir sempre que regressava das minhas caminhadas ao inicio da noite. Era difícil explicá-lo ao Google.  Até que consegui concluir que se tratava de uma ave que não se deixa facilmente observar. Nunca o vi mas sei que é um noitibó-de-nuca-vermelha. Está lá fora, não sei em que direção, mas no ar quente da noite, ouço, nítido, o seu chamamento.

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Avesso do tempo


Se pudéssemos usar o tempo pelo lado do avesso, será que o duplicávamos? 

O livro do Hilário

Quando Hilário decidiu escrever um livro pensou que o faria de tal modo que os leitores se revissem na história que iria contar. Planeou o enredo, desenhou cenários, imaginou personagens e começou a preencher as páginas em branco. Tudo corria muito bem, até que se deu conta da dificuldade que tinha para encaixar e orientar convenientemente os espelhos.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

A última gota

A feira cheira a gado, a sol e a terra seca. A música popular do programa de TV em direto enleia-se com a música da barraquinha de comes e bebes onde se serve porco assado no espeto. 

Para cá e para lá, passam homens suados, de camisas abertas sobre o peito, crianças ruidosas comendo farturas, mulheres de bigode com leves blusas de verão, deixando ver as alças brancas do sutiã.

Enquanto como a sanduíche de carne de porco assado, observo o homem de chapéu preto e camisa de xadrez. Está sentado duas mesas à frente da minha. Segura um copo de cerveja já vazio mas insiste em escorrê-lo. Sorve-o até à última gota. Endireita-o, olha para o fundo e enfia nele o dedo indicador, como quem endireita uma ruga do plástico para permitir soltar algum resto de líquido. Leva o copo de novo à boca. Agora sim, deve ser a última gota. Finalmente, o homem pousa o copo vazio sobre a mesa e fica uns instantes a olhar para ele, resignado.

domingo, 10 de maio de 2015

Passeio de domingo (245)



O passeio não é de hoje. Foi previamente agendado já que este é um daqueles domingos em que não devo conseguir editar o post da praxe. Escolhi um passeio que fiz em Lisboa no mês passado… porque até foi em Lisboa que passei o dia.








sábado, 9 de maio de 2015

Explicação

Na secção dos artigos de higiene, escolho um gel duche para o meu filho, que já só tem uma coleção de embalagens vazias na prateleira do polibã. Opto pelo  dois em um, duche e shampô, que tem um rótulo novidade e cujo cheiro me agrada. O frasco já está no cesto, mas detenho-me ainda a cheirar mais dois ou três, só para ter a certeza que a minha escolha é definitiva. Estou eu de nariz colado a um dos produtos, quando chega a menina das promoções do supermercado, a ver se preciso de ajuda. Digo-lhe que não, obrigada, mas ela insiste. Pega no gel que eu já coloquei no cesto das compras e explica-me as qualidades do objeto da minha escolha. Tim-tim por tim-tim, lendo o texto da embalagem, sem falhar uma linha. Só posso ter cara de analfabeta.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

O livro

Abriu o livro. Leu as primeiras linhas do primeiro capítulo. Descreviam um cenário. Um fim de tarde, no verão. Um areal quase deserto. O mar calmo. Nem sombra de vento. Era mesmo o que estava a precisar. Não esteve com meias medidas. Despiu-se e mergulhou.

domingo, 3 de maio de 2015

Passeio de domingo (244)


Um passeio na costa Vicentina, entre Aljezur e Vila do Bispo. Aqui mostra-se a praia da Bordeira e a praia do Amado.








sábado, 2 de maio de 2015

O estranho caso do livro que lia o leitor - Capítulo VI



Tem que haver mais qualquer coisa. Tem que haver mais qualquer coisa, pensava Luisinho, o leitor. Mas, na poltrona verde musgo apenas se encontrava, amarrotado, o lenço de algodão egípcio. Luisinho, ainda inquieto, o coração batendo descompassadamente, resolve virar mais uma página do livro para chegar ao longo corredor de onde lhe pareceu ter visto sair uma sombra. É um corredor enorme, com três portas de cada lado e quadros a óleo com molduras antigas, de talha dourada. No corredor, nem sombra do homem do monóculo, nem de outra sombra qualquer. Luisinho, que já conseguiu acalmar-se um pouco, demora-se uns instantes a observar os quadros. Um deles chama particularmente a sua atenção. Cinco flamingos de cor rosa, seguram no bico, charutos cubanos. Percebe-se que são cubanos porque os flamingos, displicentemente, deixaram as cintas dos charutos caídas no chão do corredor e, embora estejam ali meio enroladas, Luisinho, do alto da página do livro, consegue ler a palavra Habana. Entretanto, lá fora, ouve-se uma sirene e Luisinho, de novo em sobressalto, sem largar o livro, apenas marcando a página com o indicador direito que entala entre as páginas lidas e as que estão por ler, vai até à janela espreitar. Junto à rotunda, um camião de transporte de mercadorias, com uma chave gigante desenhada na lona, embateu num poste de eletricidade e este, com o impacto, caiu atravessando-se na rua da frente e cortando o trânsito.  Enquanto observa a cena e a chegada dos bombeiros ao local, Luisinho repara num homem que caminha, apressado, para o lado oposto ao acidente. Apura o olhar e reconhece nele o homem do monóculo. Percebe ainda que o homem segura na mão uma folha de papel.

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sexta-feira, 1 de maio de 2015