segunda-feira, 31 de maio de 2010

Nocturnos

Chego a casa com o suor no rosto e trago entranhados em mim os cheiros de cada passo de mais um caminho nocturno.

O vento fustigou-me com o ar quente que sobrou do dia e colou-me ao corpo os odores de comida que se escapavam desta e daquela casa: um jantar de grão, uma carne frita, um bolo de forno.

Agarrado a mim veio também o perfume forte da trombeteira, essa flor do diabo que no início do Caminho do Furadouro sempre resolve tomar-me de assalto. Subindo a Rua da Escola, a brisa morna trouxe-me o cheiro do gado, depois do pastor já ter recolhido o seu pequeno rebanho. E a roupa lavada que ficou a secar naquele estendal também me apanhou, deixando impregnado nos meus cabelos o seu cheiro fresco que até agora não me largou.

Para lá dos cheiros, trago ainda as vozes dos que pelo caminho se cruzaram comigo. Repetidos “Boa noite!”, daqueles que por aqui ainda se dizem, mesmo não conhecendo o seu destinatário.

Os caminhantes subitamente aumentaram trazidos para a rua no frenesim do bom tempo. Encosta acima, encosta abaixo: “Então vizinho?..Já vai de volta?”

E mais um “Boa noite” atirado pelos três velhotes que hoje começaram a trocar a televisão da sala, pelo poial de casa, junto à porta de entrada, e apanham a fresca trocando histórias. Por fim despedem-se: “Então, até outro dia …se Deus quiser”.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Feitiços

Há dias em que era bom poder mexer o nariz e resolver tudo de uma assentada. Para as arrumações, então, era uma limpeza...

E que saudades desta série...

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Figuras

Hoje vi uma senhora de cintura avantajada que vestia umas leggings com uns calções de ganga por cima.

Vi também um homem sentado sobre uma fila de garrafas de gás, à porta de uma loja, em tronco nu, indiferente ao vento que arrefecia a tarde.

E vi ainda, na cidade, um cigano sentado no seu carro de mula, à sombra de uma árvore, observando, concentrado, o trânsito automóvel.

Não. Não me vi ao espelho.

Ce n'est rien

Porque gosto mesmo de recordar velhas cantigas.

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Era uma vez...

Em certa ocasião, vários museus que se ligaram de amizade decidiram criar uma rede e resolveram contar uma história… É uma história de mil anos contada simultaneamente em várias exposições, que podemos conhecer desde 14 de Maio 2010 até 18 de Maio de 2012, sob o título genérico “Algarve – do reino à região”.

Eu que tenho um fraquinho por assuntos de vida privada, quero ir quanto antes visitar a exposição “Sombras e Luz – o século XIX no Algarve”, no Museu do Trajo em São Brás de Alportel.

E que não se diga que o Algarve é só praia...



segunda-feira, 24 de maio de 2010

Automatismos

Chego a ser tão insignificante que, por vezes, até as portas automáticas na entrada do supermercado não se abrem com a minha presença.

domingo, 23 de maio de 2010

Mademoiselle Lucia Botelho


Tenho guardada na minha caixinha de postais de estimação esta menina de cantarinha debaixo do braço. Foi por certo uma aquisição feita nalgum passeio à feira da ladra quando estudava em Lisboa.

Não resisto à tentação da bisbilhotice e por isso vou aqui contar que foi a Alda, que se assina "a tua muito amiga" que o enviou à "Mademoiselle Lucia Botelho" que morava na Rua do Salitre. Combinava que iria no dia seguinte visitá-la e pedia-lhe que lá tivesse os livros.


Eu sei... sou mesmo cusca.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Folhinha Portuguesa

Passou-me pela mão uma “Folhinha Portuguesa” relativa o ano de 1911, edição de 1910, publicação aparentada ao ainda actual Borda d’Água, que me despertou a atenção pela tipologia de informações úteis que lista nas suas pequenas páginas de formato 13 x 9 cm.

Muito para além do calendário, com os dias santos, fases da lua e tabelas de maré, para além de dados sobre pesos e medidas, eclipses, moedas e câmbios, direitos de consumo em Lisboa, recrutamento militar e recenseamento eleitoral, a minha curiosidade aguçou-se com as indicações relativas a períodos de gestação e vida média dos animais e ainda à duração do luto.
Ora atentem:

“Duração de luto
Por marido ou mulher 1 ano. Por pai, filho, avô, bisavô, neto ou bisneto 6 mezes. Por sogro, genro, irmão ou cunhado 4 mezes. Por tio sobrinho; primo co-irmão 2 mezes. Por qualquer parente mais afastado 15 dias.
Pelas pessoas reinantes 6 mezes.
O tempo aqui designado é o tempo de luto na sua totalidade”

E esta heim?

terça-feira, 18 de maio de 2010

Um sítio

Sei de um sítio onde só se ouve a carícia do vento nas folhas do caniçal e o canto das aves enquanto dançam, céu adiante, fugindo dos meus passos.

Sei de um sítio com chão cor de fogo e flores de leveza que rendilham o ar.

Sei de um sítio, a caminho do mar, onde a areia serve de aconchego aos encontros furtivos dos escaravelhos.

Sei de um sítio onde o esquecimento se oferece nos murmúrios de um fim de tarde.

Sei.




segunda-feira, 17 de maio de 2010

Cortiça algarvia no MoMA


De Maio a Julho as lojas do MoMA - The Museum of Modern Art, de Nova Iorque, apresentam em exclusivo peças de cortiça algarvia com design made in por cá...
A nossa vida também é feita de pequenas vaidades.

domingo, 16 de maio de 2010

A vida secreta dos objectos - O papagaio ofendido



Exma. Senhora Directora do À Esquina da Tecla,
Venho, por este meio, exercer o meu direito de resposta relativamente ao texto publicado nesse espaço recreativo pelo galo invejoso, que fez referências insultuosas à minha pessoa enquanto papagaio de louça barata exposto em louceiro de cozinha.

Não posso consentir que um qualquer galo invejoso, que até as minhas cores garridas copiou para as suas penas, venha para aqui chamar-me palerma e papagaio sem pio. Pois se há cor de penas que galo não tem é azul celeste e essa imitação de galináceo não passa de uma fraude. Do mesmo barro somos feitos e se eu não falo ele tão pouco canta.

Quero deixar aqui bem claro que apresentarei queixa desse estafermo nas devidas instâncias, não só por ofensas verbais como por plágio de cor e que espero vir a ser devidamente indemnizado pelas perdas e danos morais a que fui por ele sujeito.

sábado, 15 de maio de 2010

quinta-feira, 13 de maio de 2010

A vida secreta dos objectos - O galo invejoso



Que mania têm com o galo de Barcelos. Não há cão nem gato turista que não o encontre e adquiria nas lojas de souvenirs. São montras cheias deles, de todos os tamanhos, em porta-chaves, em saca-rolhas, em tampas de garrafa, pintados em copos e canecas, em aventais, em mochilas, em postais…Pffff. E depois… que raio de galo é aquilo? Podem explicar-me desde quando galo que é galo se apresenta todo sarapintado de florezinhas e corações? A loucura é tamanha que até soube que, em Faro, numa loja de roupa com griffe de estilistas nacionais, Sua Excelência lá estava, na montra, todo inchado ao lado de uma peça Ana Salazar… ao que chegamos! Mas querem lá comparar um qualquer galo de rabo florido, com um galo bem apessoado como eu. Posso ser de louça barata e ter sido comprado na feira, mas não tenho dúvida que faria melhor figura que esse cócólaricócó. Só que a mim, ninguém me liga. Deixaram-me esquecido há anos no rebordo do pano de chaminé da cozinha, na casa do B. A minha única companhia é um palerma de um papagaio que está em frente, em cima do louceiro. Mas esse nem pia. É de barro como eu. O B., esse, interessa-se é pelo galo que tem no galinheiro. Um fanfarrão que vive feliz no meio de uma data de frangas e galinhas que o adulam. É ouvi-lo todas as madrugadas a cantar de galo…. Pffff. Invejoso, eu? Qual quê? Podem não me ligar nenhuma, mas ao menos sei que não vou acabar em cabidela.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Cais da fé

Já vasculhei todas as fotogalerias de todos os jornais online e não consigo encontrar uma imagem como a da panorâmica que repetidas vezes as televisões mostraram da Praça do Comércio durante a missa papal.

Polémicas à parte, com mais ou menos fé - e já agora até manifesto a minha - ninguém poderá negar que a imagem da Praça do Comércio, geometricamente preenchida de gente voltada para o altar branco, sobre fundo azul de mar e céu, enquadrado pelas colunas do cais, não foi do mais belo que hoje se viu.

domingo, 9 de maio de 2010

Festa

Três foguetes sobressaltaram a minha aldeia, bem sobre as oito, e vozes de júbilo se levantaram vencendo até os motores dos carros que velozmente cruzavam a estrada nacional.
Caiu entretanto a noite e mesmo agora, que fui lá fora ao quintal recolher o resto da roupa lavada, ouvi, por cima dos sons dos bichos que por ora se deleitam ao luar, um menino que ao longe gritava: Benfica! Benfica! Benfica!

Só eu sei porque gosto tanto do Algarve (5)


Porque há casas bordadas na paisagem...

Caminho para a praia

Lembro-me do caminho de areia que percorríamos na ida e na volta do dia de praia. Saíamos carregando as alcofas de empreita do farnel e o comboio levava-nos de apeadeiro a apeadeiro. Depois era o caminho ladeado de piteiras. Figueiras-da-índia carregadas de fruto. E as conversas das mulheres. Mães, tias e primas que me levavam pela mão, tagarelando as suas vidas até ao mar.
Imagem daqui

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Noite menina

Gosto daquela hora em que a noite é menina e, caminhando para poente, vejo o céu vestir-se em dégradé. Distingo ainda ao longe uma réstia de luz, mas quando ela se apaga atrás do horizonte, dou meia volta e mergulho, então sim, na escuridão.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Grão de areia


Como um grão de areia arrastado pelo vento, passeio-me pela vida, por entre a multidão de tantos grãos de areia como eu.

Sou um grão de areia. Coisa de somenos.

Mas, com todos os outros, sou o areal por onde a vida deixa a sua marca efémera.

domingo, 2 de maio de 2010

Dias da Mãe




Tenho Dias da Mãe espalhados pela casa, que todos os dias me enternecem.


Tenho rosas de Maio para todas as mães, até para àquelas que, como a minha, nos esperam do outro lado da vida.


sábado, 1 de maio de 2010

Flores da horta








No primeiro dia de Maio, passeio na horta ... até porque é só o que lá sei fazer: passear.
Mais do que isso só quando lá vou buscar fruta ou legumes. É... sou pouco dada ao cultivo da terra. Desnaturada, é o que sou.

A minha praia

Anda por aí uma expressão que me faz pele de galinha. Não sei dizer porquê, mas embirro com ela. Não gosto. Pronto. Está muito em voga e é especialmente popular entre membros de júri de concursos televisivos de talentos. É usada pela positiva e pela negativa. “Esta é mesmo a tua praia”. “Não é de todo a tua praia” “Sim, é a minha praia”…. Grrrrrrrr. Quem a terá inventado?

E não é que até já a ouvi sair da boca de pessoas como presidentes executivos de PT.s em conversa com Deputados da Nação especialistas em inquéritos?.... Sim… até o tal do Zeinal…Fiquei a pensar…Credo Santíssimo, Luisa, põe-te a pau e pára de dizer “desta água não beberei”.

Mas quê? A minha praia?

Só esta:



Fotografia daqui