terça-feira, 31 de agosto de 2021

O querido mês de agosto (4)

 

Acho que já disse que o telheiro dos pássaros já não tem pássaros. Todos os anos, na primavera, enfiavam-se entre as canas, passavam entre as telhas e era um ver se te avias de fazer ninho e procriar. Bom para eles, péssimo para mim, que via o meu pátio transformado em sanita de passarinho, o que me obrigava a pegar na mangueira da água mais vezes que o recomendável, considerando a necessidade de poupança que temos da dita. Antes da época, tratou-se de vedar as frestas abertas nas telhas, esticou-se uma rede sob as canas, eliminou-se o acesso à passarada. Que se amanhassem nos ramos das alfarrobeiras. Porém, um problema resolvido não é sinónimo de ausência de problema. À falta de excrementos de passarinho, o pátio cobre-se de torrõezinhos de terra trazidos pelo vento. Suponho que assim já acontecia em anos passados, mas um pouco como uma dor que se sobrepõe a outra, a dos cócós era seguramente mais forte que a dos torrões de terra ruiva. A culpa, já disse, é do vento e contra ele não há vedação possível.

O querido mês de agosto (3)

 

As osgas cá de casa estão em vias de extinção e à conta disso nunca vi tantas aranhas por aqui. As pequenas ainda tolero e algumas até me inspiram simpatia. Já a partir de uma certa dimensão, que na minha ordem de grandeza é gigante, provocam-me desagradável arrepio. Assim foi com a que, ainda ontem, queria entrar-me em casa quando abri a porta da cozinha que dá para o pátio. Pareceu-me que também eu a assustei porque se imobilizou mesmo rente ao armário. Não tive alternativa, ou era sapatada ou envenenamento. Optei pelo último e aspergi-a abundantemente com biokill. Finou-se. Acho que não me arrependo. Na verdade, apenas compensei o desequilíbrio ambiental que está a afetar a biodiversidade que se abriga entre os meus muros.

O querido mês de agosto (2)

 

Quando, à noite, me sento junto ao telheiro dos pássaros que já não tem pássaros, dou conta de que também já não tem osgas. Costumava ouvir-lhes pequenos toques contra a parede; virava-me e verificava que saíam dos seus esconderijos para caçar mosquitos e traças. Enquanto elas jantavam, eu lia até que o ar da noite ficasse demasiado fresco e me obrigasse a recolher. As osgas também desapareceram do telheiro do estendal da roupa. Elas que, em grupos de três ou quatro, sempre acompanhavam os meus movimentos a esticar pano e prendê-lo com as molas coloridas já não se mostram por ali. Apenas vi, numa destas noites, solitária, a Osga Maria. Deduzo que a colónia felina que se instalou nos meus domínios anda a dizimar a colónia réptil.

O querido mês de agosto (1)

 

O Gato Velho é ciumento. Já por cá andava quando apareceram os mais novos, as gatas malhadas, Mata Hari e Scarlett O’Hara, e o gato de olhos azuis, Paul Newman. O Gato Velho não tolera as gatinhas. Coitadas andam sempre a fugir dele, que se as apanha as ataca e faz da rua campo de batalha. Não sei se para evitar esta violência, ou se por qualquer desgraça ocorrida fora do perímetro da zona de alimentação e bebidas estabelecida pelo Guardião do meu quintal, Paul Newman desapareceu faz dias.