A minha mãe tinha uma cicatriz em
forma de quarto de lua junto ao olho direito. Foi de uma queda. Contava ela. Vinha
disparada a correr ladeira abaixo. Foi nas pedras do valado. Contava ela. E eu
estremecia, sentindo em mim a dor da queda, a dor do golpe, o sangue a jorrar.
Não era a criança que a minha mãe tinha sido que eu via, era eu própria
estarrecida de medo perante a possibilidade de um acidente assim, perante as
consequências de uma ferida que a milímetros de distância podia traduzir-se em
cegueira. Sempre tive medo. Medo de
tudo. Imagino sempre o pior se não tenho notícias de alguém no momento em que
eu acho razoável tê-las, se os meus filhos não me atendem o telefone à segunda ou
terceira chamada, se um atraso acontece numa chegada prevista de alguém em
viagem, se ouço as sirenes de uma ambulância. Começo logo a ver cenas
terríveis, acidentes, raptos, assaltos, dramas horríveis. Quando digo ver é
mesmo ver. É como se estivesse no cinema com a ação a desenrolar-se na frente
dos meus olhos. Acontece de forma tão vívida que sou obrigada a sacudir a
cabeça ou a abanar a mão na frente do rosto para afastar essas visões como quem
afasta uma mosca. Sou uma pessoa com medo e a cada ato de terror que presencio
na aldeia global, vejo-me assaltada por um enxame de moscas. Claro que com o
treino de uma vida que já tenho, consigo rapidamente afugentá-las. Só não
consigo acreditar que estas criaturas não aflijam também os outros, aqueles que
fazem questão de dizer que não, que não têm medo.
Bom, eu afirmo que não sou medrosa. Mas todos temos medos. Os medos de cada um são seus próprios. Ou porque a vida lhos trouxe, ou porque a sua natureza os escolheu, ou pelas duas coisas e mais algumas. Mas de certeza os meus medos não têm natureza catastrófica. Nos atrasos dos meus meninos penso em tudo menos em acidentes; se ando de avião, não julgo que morro e, julgando, penso na vantagem de ser morte rápida, terei de morrer de alguma coisa; além disso gosto um imenso de andar de avião, a subida é extraordinária. Também não penso, como a Luísa, em desgraças a seguir umas às outras; aceito com um bocado de mau modo os percalços e julgo que as tais ditas desgraceiras não me calham. Se me calharem, o que posso fazer?! É vivê-las e aguentar. O que me parece um bocadinho mal é ser eu a provocá-las. Isso é que não gostava mesmo. Mesmo nas desgraças, tenho tido sorte:).
ResponderEliminarMas, em relação aos telejornais, creio que já adquirimos uma certa indiferença clínica, é lá, no outro, não invadiu ainda o nosso reduto. E não sei mesmo se para aguentar hora e meia de tristezas morais, mentais e físicas, não tem de ser assim.
Luísa, eu sou essa pessoa. recrimino-me a cada passo trágico que vivencio mentalmente. a seguir, tomo fôlego, e digo-me que sou uma pessoa atazanada pelo pessimismo. mas, tal como diz a Bea,se me permite apoderar-me das suas palavras:" ... todos temos medos. Os medos de cada um são seus próprios. Ou porque a vida lhos trouxe, ou porque a sua natureza os escolheu, ou pelas duas coisas e mais algumas"- eu acho que sou tudo um pouco desse "mix"- adquiri este formato de não querer ver ver através da lógica da situação (falta de rede ou bateria , no caso do telemóvel, um atraso à saída, logo um atraso à chegada, se espero alguém...não sei exatamente quando, mas a lógica, nem sempre mora dentro de mim.
ResponderEliminarHá anos fui a esta conferência. O orador convidado dos EU era fabuloso! Uma das melhores conferências a que já assisti.
ResponderEliminarLembro-me apenas isto– ao fim de tantos anos:
1 - 85% das nossas preocupações (em termos do que poderá acontecer) não acontecem. Dispendemos a nossa energia desnecessariamente.
2 – Há pessoas que gostam de ter a sua secretária cheia de papéis para mostrarem que estão sempre muito ocupados. Erro. Uma pessoa pode estar sempre muito ocupada e ter a secretária apenas com o indispensável.
: )
Bea,
ResponderEliminarEu sou uma pessoa de medos mas não deixo de ser otimista. Assaltam-me preocupações, muitas vezes doidas, mas consigo dar conta delas. :)
A questão do terror já não me parece assim tão longe desde que chegou às cidades europeias, e com a frequência que nos é dada a ver nos noticiários mas é claro que precisamos de estratégias para não ficarmos reféns desse medo.
Mia,
Como disse à bea, eu até sou uma pessoa otimista mas o facto de acreditar que tudo se pode resolver não impede que me veja tomada de medos muitas vezes absurdos.
Catarina,
Na verdade, dos medos que me costumam assaltar, até hoje (e embora não seja supersticiosa...:) deixa-me lá tocar na madeira)não me lembro de nenhum que se tenha concretizado.
Quanto à secretária, devo dizer que a minha tem fases, mas gosto mais de trabalhar com pouca desarrumação. :)
Luisa, por norma não sou medrosa mas confesso que ao ver os crimes que acontecem diariamente no nosso pequenino cantinho ou um pouco mais longe, como este em terras de Majestade, me deixam muito preocupada e apreensiva. Creio que será da idade. Bom fim de semana.
ResponderEliminarBenó,
ResponderEliminarÉ difícil não nos inquietarmos com estes casos.
Eu também tenho os meus medos...
ResponderEliminarDivido-os em dois os evitáveis e os inevitáveis
A primeira decisão que tomei de há uns anos para cá é que não vejo telejornais e as noticias prefiro lê-las calmamente na net ou no jornal, isto porque os telejornais levavam-me ao desespero de angustia ou por rapto, roubo, doença, assalto, terrorismo, cataclismo, percentagens, estudos, etc, etc, etc
A segunda é dar valor a todas as pessoas positivas que tenho o prazer de conhecer e inspirar-me nelas.
Sendo assim, cá vou indo uns dias melhor outros menos mas procurando o equilibrio.
bjs
Papoila,
ResponderEliminarEquilíbrio parece-me, de facto, a palavra certa. Há que encontrá-lo.
o medo é primariamente uma ferramenta de sobrevivência...
ResponderEliminarManel MT,
ResponderEliminarAcredito que sim. Ajuda a calcular o risco.
E por isso sempre me fizeram muita confusão, as pessoas que dizem não ter medo de nada... talvez porque se esqueceram de ser humanas...
ResponderEliminarBeijinhos!
Ana
Medo da morte (eu)!
ResponderEliminarBj
Ana Freire,
ResponderEliminarÉ claro que há pessoas que não se deixam dominar facilmente pelo medo, mas que ele sempre nos afeta é inegável.
Gracinha,
Acho que já tive mais, mas sim esse também está bastante presente.
Medo? Perfeitamente normal. E é o que mais afeta a humanidade e em todas as idades.
ResponderEliminarA questão não é ter medo e sim como lidar com isso. E começa-se desde criança.