quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O telemóvel

Entrei na farmácia e ouvi a sua voz preenchendo o espaço. A mulher estava sentada num pequeno banco, ali mesmo ao lado do aparelho de medir a tensão arterial e frente ao expositor do calçado ortopédico. A seus pés alinhavam-se três ou quatro sacos de plástico cheios de compras. Ela encostava o telemóvel ao ouvido direito e falava, gesticulando com o braço esquerdo. O cabelo amarelado, comprido, baço e apanhado num rabo-de-cavalo, emoldurava a cara que apresentava mais sulcos do que terra lavrada, denunciando a idade adiantada e uma vida difícil. A farmácia estava praticamente vazia. Apenas uma cliente era atendida ao balcão. Eu passeava pela secção de cosméticos enquanto esperava que a minha colega levasse a vacina da gripe e ouvia toda a conversa da mulher que, indiferente ao local em que estava, falava alto contando a quem a ouvia do lado de lá do telemóvel as suas histórias de família. Falava do filho e da nora, do jantar do fim-de-semana, de zangas e de encontros inesperados. Falava alto e, de vez em quando, animada pelo curso da história que contava, soltava palavrões e impropérios. A mulher ocupava aquele banquinho da farmácia como se estivesse sentada no sofá da sua sala. E falava.

Ao fim de uns dez minutos, saí e ela lá ficou alimentando o seu assunto.

Eu fui pensando em que figuras um banal telemóvel nos pode colocar e em como a vida privada se pode escancarar numa qualquer rua, num qualquer café. Até numa farmácia.

7 comentários:

  1. Na terça feira vim de comboio para o Porto e apanhei uma companheira de viagem que veio sempre a falartudo ao telemóvel. Fiquei a saber tudo sobre a vida dela nos últimos seis meses. Incluindo a história dos seus amores e desamores. Há gente que não se enxerga.

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  2. Eu gosto é de vê-los a andar na rua, com o auricular sem fios, em grandes conversas, sem se aperceberem do ar de maluquinhos com que ficam.

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  3. Também tenho tido essas experiências em comboios, talvez por serem as viagens mais longas onde ainda se podem usar os telemóveis. Verifico que, por vezes, começam por falar em voz baixa mas depois alheiam-se de tal forma que se esquecem dos que estão em seu redor e que, para quebrar a sua monotonia própria, estão atentas à conversa! : )

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  4. Detesto esta falta de respeito pelos outros e por eles e elas que gastam tanto dinheiro ( não percebo como conseguem estar horas naquilo) a falar ao telemóvel.
    Apanhamos cada seca até na farmácia pelos vistos ;-)

    beijinhos e bom fim de semana

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  5. Precisamente ontem, à porta da escola, enquanto esperava pela filhota, ouço um pai, de fato e gravata, tlm na mão, de queixo levantado para se ouvir melhor e dar mais importância à "coisa":
    Faz-se com a temática dos anos 80!
    Resolvo-te o assunto num instante, dizia ele: Rui Veloso com o Porto Covo e Porto Sentido, UHF com os Cavalos de Corrida e está feito! Não conheces a música, eu canto-te, ouve bem!

    As figuras que fazemos :))

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  6. Sim, claro. Quem é que não assistiu já a n cenas dessas?
    Mas desta vez não concordo contigo.
    Não acho que seja culpa do telemóvel nem, na verdade, ele é banal. Banais são essas pessoas e são elas que se expõem. Não sei se têm conciência da figura que fazem. Acho que uma grande parte não só não se importa como, se alguém lhes chamasse a atenção, ainda seria insultado.
    Ok. É Sexta-feira. O meu azedume está no auge... Mas essa é realmente uma das cenas que me irrita!!!!!!!!! E se estou num desses lugares em tenho mesmo que ouvir... fico pior que estragada....
    Rog

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  7. Oh Rog, não há como levar a situação na desportiva. Às vezes até se torna engraçado. Imagina que estás no cinema, e pronto. lol...

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