Confirmo. Sou do sul e sim, também tive uma ti Bia. A conjugação do verbo é clara, pertence ao grupo das tias às quais já não posso telefonar. O meu sul é um pouco mais a sul, não é uso fazer-se cá popias. Mas adoro popias. A minha ti Bia, claro, não fazia popias mas fazia aquelas filhós com formas rendadas, de uma massa muito fina e muito estaladiça. E vendia leite, a minha ti Bia. Tinha uma vaca leiteira e as pessoas traziam a sua própria vasilha e vinham comprar o leite de manhã e à tarde, a seguir a cada ordenha. A casa da minha ti Bia tinha o rádio na cozinha, uma dependência independente do resto da casa. Era aí que se ouvia a radionovela “Simplesmente Maria”. Lembro-me de que não se perdia um episódio. Ao lado da cozinha ficava a cisterna (ainda fica) de onde se retirava a água com um balde de zinco puxado por uma corda. Os poiais que ladeavam (ainda ladeiam) a cisterna e algumas cadeiras baixas de atabua, eram onde nos sentávamos para conversar nos fins de tarde quentes de verão. Junto à casa, quase por detrás da cozinha, a meio caminho da minha casa havia uma alfarrobeira (já não há) com um baloiço de corda, que me fazia voar.
A sua ti Bia era uma querida e está tão bem descrita. A minha Bia ainda não era tia quando a conheci, era sobrinha e irmã. Criança do meu tamanho, trabalhava como mulher. Os pais saíam para o trabalho e tomava conta da casa e dos irmãos. Aprendi com ela a lavar roupa na celha, a torcê-la e estendê-la; só depois se permitia a liberdade de saltar um bocadinho à corda comigo. Nunca antes tinha lavado lençóis e parecia-me que as nossas mãos tão pequenas não davam conta de tanto pano e seria tarefa infindável. Mas ela era rápida com o sabão e alongava bracinhos aventureiros por dentro da celha. Aprendi que, depois de estendidos as peças, ainda podíamos esfregar algumas nódoas, e, ao torcer, cada uma de nós a mãos ambas e com um esforço descomunal, torcia para seu lado (o meu ficava sempre pior e ela vinha depois, com a sua metade a escorrer no braço em gancho, dar-lhe uns apertões). Além disso, havia que equilibrar o lençol para não tocar o chão enlameado. lembro-a no estendal, empoleirada em cima de um moxo a esfregar aqui e ali com toda a força das suas mãozinhas pequenas. Por essa altura, eu já estava encharcada e de corda na mão, pronta para um bocadinho de brincadeira. A minha Bia era (ainda é) loira de olhos verdes, tinha as maçãs do rosto coradinhas e invejava tudo nela.
ResponderEliminarGostei desse seu relato, bea, sobre como era lavar a roupa e do retrato da sua Bia.
EliminarMas ainda bem que hoje em dia temos máquina de lavar. :)
Belas memórias, Luísa!
ResponderEliminarQuem tem uma Ti Bia tem tudo. Eu não tive. Tive Ti Ana, Ti Gertrudes - Estrudes, mais fácil de pronunciarmos, Ti Balbina e Ti Carmo, mas tive uma vizinha Bia. Um doce de criatura.
Também confirmo que sou do Sul. Tal como tu e a Gina Geia, adoro popias. Sempre que vou ao Alentejo fazem parte das minhas compras para trazer....e, pasma, também tinha um baloiço feito na trave do alpendre. :)
Beijinhos a ambas.
Obrigada, Janita :)
Eliminar😊
EliminarTias, popias, baloiços... Um sul imenso para partilharmos, Janita. :)
EliminarTão boas estas recordações de infância, Luísa!
ResponderEliminarA minha tia Noémia fazia desses fritos com o feitio de flores e de borboletas. Usava um instrumento que mergulhava na massa e depois no azeite a ferver.
Eram uma delícia com cacau bem quentinho!
Abraço
Uma delícia, mesmo, Rosa dos Ventos. Esses fritos eram feitos por ocasião das festas de Natal e Ano Novo.
EliminarOh, que giro escreveres da tua ti Bia :)
ResponderEliminarNo meu Sul, o balde de zinco era o caldeirão.
Acho que o balde ainda lá está, Gina. Eu até o fotografei não há muito tempo assim. :)
EliminarSaudosas recordações de infância!
ResponderEliminarE ao ler isto, veio-me à memória a casa onde vivi até aos seis anos em Portimão...onde era o leiteiro que andava de porta em porta vender o leite diariamente...onde a telefonia estava também na cozinha...e onde a minha mãe ouvia religiosamente a "Simplesmente Maria".
E para mim, essa telefonia era magia. Pois imaginava homens e mulheres pequeninos lá dentro a falar e a tocar música...aliás, já fiz um post sobre isso no meu blog.
Hoje guardo carinhosamente esse rádio.
Obrigada.
É bom podermos recordar pessoas, hábitos antigos e até objetos que marcaram a nossa infância e ver que muitas dessas recordações nos são comuns, Dulce.
EliminarObrigada.
Também tenho uma tia Bia neste caso Maria com quem aprendi a amar a terra e a dela cuidar!!! 💜
ResponderEliminarA minha também era Maria. :)
EliminarA Luísa escreve muito bem. É sempre um prazer passar por aqui e ler estes seus textos, curtos, num português límpido, sem arrebiques e cheios de humanidade e sentido de observação.
ResponderEliminarFico feliz, Luis Y, por saber que aprecia o que por aqui se escreve, mesmo sendo, na maior parte das vezes, meras trivialidades.
EliminarObrigada!
Nasci em Lisboa, mãe e avó materna lisboetas e uma tia Bia que nos enviava prendas pelo Natal
ResponderEliminarPodemos formar um clube, Gábi. :))
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