No último dia da décima semana
daquele ano de 1999, Prudêncio caminhava pela avenida marginal da cidade
aproveitando o sol que brilhava pela primeira vez depois de quatro dias de
chuva intensa que fizera subir as águas do rio e crescer o verdete nas paredes
velhas.
Respirava o ar claro e leve, ainda
fresco da manhã, e sentia-se cheio de ânimo para recomeçar a sua vida. Estava
decidido a mudar de rumo e embora tivesse voltado a abusar da bebida nos dias
anteriores – a constante chuva deprimente a isso o obrigara – animava-o,
naquele momento, a certeza de que não voltaria a fazê-lo.
Pelo caminho, ia avistando
pessoas suas conhecidas a quem acenava com a cabeça ou com a mão. Nenhuma lhe
devolvia o cumprimento, seguindo como se o não enxergassem, e Prudêncio começou
desconfiar da situação.
Prosseguiu, no entanto, dirigindo-se,
como tinha pensado fazer, para a casa de Noémia, sua namorada, com o propósito de,
uma vez mais, lhe pedir desculpa e resgatá-la com promessas de entrar nos
eixos. Ia treinando mentalmente o discurso, escolhendo as palavras, imaginando
a entoação. Sentia-se leve. A boca ainda lhe sabia ao vinho e à aguardente que
tomara na véspera e, apesar do sol que brilhava e lhe aquecia o corpo, parecia-lhe
que caminhava envolto numa ligeira bruma. Era uma névoa quase impercetível e
acabou por não se atardar muito a pensar no estranho fenómeno. Quanto mais
avançava, mais leve se sentia e a sua vida surgia-lhe fácil e resolvida.
Chegou finalmente à entrada do
prédio de Noémia. Era um edifício moderno com uma grande porta envidraçada.
Prudêncio subiu o degrau de acesso à casa e esticou o braço para tocar à
campainha. Durante os breves segundos do toque ainda viu, refletida no vidro da
porta, a sua silhueta que, como uma nuvem, se dissipou completamente, ficando no
ar apenas um ténue cheiro a álcool.
Muito etílico este texto. E eu que comecei hoje a ler um livro que tem uma alcoólica e já me enjoa antes do meio que o álcool me faz muito efeito mesmo por escrito.
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ResponderEliminar''Tadinho'', que grande pileque!
Antes assim do que sonhar com animais ferozes.
Estes toxicodependentes são um grande problema, sem solução,
porque a cura levaria indústrias e casas comerciais a falir...
Muita criatividade e correta expressão escrita.
Bom fim de semana, Luisa.
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e não há mais?
ResponderEliminarVol(etilizou-se)... :)
ResponderEliminarAdorei este mini-conto! :)
ResponderEliminarTão bem escrito, Luísa!
ResponderEliminarBeijos :)