terça-feira, 22 de novembro de 2011

As mangas do vestido

Era no tempo em que as raparigas não podiam dar-se ao desfrute de mostrar certas partes do corpo. O decoro era coisa para se levar seriamente e a mãe, atenta, não perdoava nem um deslize.

Era no tempo em que a vida era dura e, no campo se trabalhava – como contava a minha mãe, de sol a sol. E se trabalhava desde criança. Fazer a quarta classe já era um luxo. Era no tempo em que as raparigas “sérias” não estavam sequer autorizadas a participar nas excursões organizadas pelos próprios irmãos. As meninas eram de casa. E pronto.

Em certas alturas do ano, por festa, dava-se o caso de se poder estrear um vestido novo. O pano era comprado e levado à modista que se encarregaria de o transformar no modelo mais parecido com as tendências da época. Naquele ano a minha tia Arminda lá foi encomendar o seu modelito de primavera. A costureira aplicou-se e o resultado ficou bem catita. E a minha tia ficou contentíssima com o seu vestido da moda.

Foi, porém, de curta duração a sua felicidade. Assim que minha avó lhe pôs a vista em cima, mandou-a logo de volta para a modista. Ora… o que era aquilo? Um vestido de mangas curtas. Havia de ser bonito. Filha minha não se dá a essas poucas-vergonhas.
Mas estava tão lindo o vestido. E depois toda a gente já usava manga curta… não havia mal nenhum nisso. Deixa lá, mãe.
Qual quê?

Vai não vai, estou-me sempre a lembrar desta história e de como, para poder usar o seu vestido novo, a minha tia Arminda não teve outro remédio senão pedir à modista que lhe encabeçasse as mangas.

10 comentários:

  1. Essa dos braços não poderem estar ao léu, nem nunca tinha ouvido falar. Até porque gente fina e rica, que ia a bailes, usava vestidos sem mangas (com maior ou menor decote), o que me faz sempre pensar como é que não morriam de frio no inverno... :)

    Coitada da tua tia!

    Beijocas!

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  2. Teté,
    Pois... mas neste caso não se tratava de gente fina. Era mesmo gente simples e pobre do campo, com a minha avó a manter as filhas com rédea muito curta. E como embirrou para ali... :)

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  3. E usavam-se meias opacas por baixo dos vestidos. Lembro-me da minha mãe contar que mulher solteira não podia dar azo a maledicências... iam aos bailes acompanhadas dos pais e só dançavam com um rapaz com autorização destes.

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  4. Fui educada assim Luísa. De combinação e sem braços ao léu. Mangas cavas nem pensar.
    Ainda hoje não concebo vestidos de casamento que mais parecem de baile e coisas similares. Acho que para tudo tem que haver moderação. No meu tempo de menina falava-se em decoro.

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  5. Não gosto dos extremos.
    Não gosto nada de me armar em moralista e muito menos em defensora dos "bons velhos tempos" mas realmente chegámos a ponto...
    Agora, os soutiens são usados como tops, as meias opacas são usadas como calças, as calças deixam metade do rabo de fora, os vestidos são mais curtos do que as túnicas, as saias são apenas um pouco mais largas que certos cintos,... é de mais, não?
    Para mim, é tão exagerado isto como o facto de não se poder usar o vestido com a manga curta.
    E nalguns países, ainda hoje não se pode entrar numa igreja com mangas curtas!!!
    Rog

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  6. Naná,
    Gosto de ouvir contar estas histórias de outros tempos :)

    Filipa,
    Dos braços ao léu,não digo... mas que ainda usei combinação/saiote, sim. E hoje com os vestidos de pano tão leve que se fazem bem sinto por vezes a necessidade de uma combinação. Só que é coisa que já não se encontra por aí. :)

    Rog,
    Do 8 ao 80...é o que é.

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  7. Eu não sou da época dos "vestidos sem mangas, nem pensar". Mas também já tinha juízo quando chegaram estas modas destrambelhadas das calças caídas e dos vestidos do tamanho de camisolas. A minha esperança é que estes meninos, daqui a 10 anos, vejam as fotos tiradas agora e sintam mais vergonha do que a que eu sinto quando me vejo em fotografias da escola vestida com calças "de gola alta". =)

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  8. Bríseis,
    Essa "vergonha" das fotos tiradas há muitos anos vive-se independentemente da razoabilidade do traje. Achamos sempre que fazíamos cada figurinha... :))

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  9. Para certas coisas, ainda bem que os tempos mudam :)
    (a minha mãe "inovou" por cortar o cabelo curto e começar a usar calças e a minha avó, também desafiou a autoridade paterna, ao arranjar um emprego, e eu acho simplesmente óptimo poder usar o cabelo curto ou comprido, calças ou saia).

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  10. É verdade, Gabi... ainda bem que hoje em dia temos essa liberdade. :)

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