Saí à rua, já ao crepúsculo, e as
cores do céu falaram comigo dizendo-me que estavam mortinhas para deslizarem
até à minha folha de papel virtual, onde se acomodariam, se possível numa forma
poética, para gozo dos olhos em breve leitura. Acenei-lhes que sim, que,
entretanto, se podiam acomodar no meu bolso porque ainda me faltava tratar de alguns
assuntos práticos, imprescindíveis e inadiáveis. E lá voltei para casa onde
tinha desde ontem uma fronha ensaboada de azul e branco, daquele azul e branco
que costuma comer manchas e amarelados diversos. Dediquei-me, pois, a esfregar
a fronha. Um pouco mais de água, força nas mãos, esfrega de um lado, esfrega do
outro, enxagua uma, enxagua duas, torce bem, torce melhor, estende, observa…
Ainda não está como deve. A pensar nas cores do céu poente ainda em sossego na
algibeira, decido-me por colocar a fronha de molho mais alguns minutos, desta
vez com o auxílio da lixívia. É lixívia perfumada, mas mesmo assim é pouco
poética. Enquanto a fronha branqueia, temo pelas cores do poente que, não
tarda, se transfigurarão em noite escura. Ainda chego de fugida ao branco da
folha e tento resgatar o encantador lusco-fusco das profundezas do meu bolso. A
operação não corre bem e já os minutos de demolha da fronha se esgotam. Retorno
ao alguidar e às águas correntes. Depois de muitas águas passadas, de espremida
e torcida a fronha, volto à rua, rumo ao estendal. As cores do céu
desvaneceram-se, a noite caiu e nem a lua, que hoje se oferece como vírgula
para pontuar o texto, me resolve a situação. Conformo-me. Não há poesia que
resista a uma barrela.
Palavras límpidas. Um gosto de post.
ResponderEliminardelícia de texto ...
ResponderEliminar:)
Mas olha, Luísa. Este texto poeticamente perfeito, nem o tempo que passaste a branquear a fronha a barrela o desvirtuou.
ResponderEliminarPerfeito! :)
Creio não errar muito se disser: inspirada contradição
ResponderEliminarO prosaico a vencer, poeticamente, o poético!...
Muito bom
Que a semana seja inspirada :)
Tanta inspiracao!!! : )))
ResponderEliminarAssim realmente não há poesia que resista :))
ResponderEliminarNão há mesmo. Aconteceu-me coisa semelhante: o dia todo a tentar escrever (mas sem nada no bolso que nem um passeio ao caixote do lixo dei) e, quando chegou a noite, tudo esvanecido, eu incluída. Apenas sobrou o tempo e disposição de vir aqui conversar e ouvir que é como quem diz escrever e ler um bocadinho. A minha fronha foi de dia inteiro. E hoje terei de lavar a outra.
ResponderEliminarE por acaso prefiro estas suas histórias à que escreveu no delito de opinião. Mas isto sou eu que ligo um nadinha à poesia e gosto de solilóquios.
Tenha um dia bom.
eu acho que essa barrela é toda ela uma poesia. até dá para sentir aqui o aroma do sabão azul e branco. tão bom :)
ResponderEliminarHá certos momentos que não há "barrela" que resolva a situação.
ResponderEliminarAbraço.
A barrela tornou-se afinal poética!
ResponderEliminar~CC~
Uma barrela fantástica a tua :)
ResponderEliminarGostei imenso de ler o texto! =)
ResponderEliminarBeijinhos