Por causa deste post da Gabi, mais conhecida por Dona Redonda, lembrei-me de uma carta que escrevi há certamente mais de 25 anos. Julgo lembrar-me a quem se destinava a carta… só não me lembro bem se cheguei a enviá-la. Mas isso não vem ao caso. Por causa do post da Gabi fui vasculhar a minha caixa de recordações e encontrei a dita carta. Não é exatamente o que ela pedia, mas como disse que servia, dei-lhe uma breve revisão, passei-a para a ortografia atual e aqui está, para juntar às cartas da Dona Redonda e dos seus comentadores.
Decidi escrever-te uma carta anónima.
Pensei se havia de escrever à mão, disfarçando a letra, ou à máquina. Optei pela máquina porque à mão nunca mais era sábado.
Ora, o que é que se escreve numa carta anónima?
Depende.
Pode ser uma ameaça. Pode ser chantagem. Mas isso é nos filmes policiais, ou mesmo em filmes que não são policiais, para criar suspensa, complicar o enredo, envolver o espetador Na vida real também pode acontecer. Pois é claro! Mas, aqui, entre nós, não é possível. Não há inimizade nem história que grite vingança.
Assim sendo: hipótese arquivada.
Numa carta anónima também se fazem declarações de amor.
Aquelas pessoas muito tímidas que não conseguem “atacar” de frente escolhem desvios, dão várias voltas… A carta anónima pode ser uma delas. Já imaginaste: poder dizer o que nos vai na alma sem medo de rejeição. Expandir sentimentos no papel que, imaginamos, farão vibrar o outro. Bom… mas a carta anónima de amor não pode ser assim tão anónima. Tem que jogar na ambiguidade. Há que deixar uma pista ao menos, por muito ténue que seja. Claro. O amor vive de esperança. E se a carta anónima é um desvio, se ela é um caminho sinuoso, ela é no entanto um caminho, um desvio que tem uma meta bem definida. A carta de amor anónima quer uma resposta. E para isso tem que deixar o rabinho de fora.
Ora, esta carta anónima não quer deixar o rabinho de fora. Portanto não será uma carta anónima de amor.
Paciência. Arquivo com ela.
Então que raio de carta anónima será esta?
Um desafio, talvez? Um desafio. Sim. É aliciante. É engraçado.
Ora pensa: tu, agora, vais dar voltas e voltas à cabeça para descobrir a origem da carta. Sim, que o bicho homem é um poço de curiosidade. Eu, sei que se recebesse uma carta anónima ia ficar bem impaciente.
Bom, se calhar vais tentar sondar os teus amigos. Mandar umas bocas, observar reações. Ou até mostrar a carta. Mas que incerteza vais viver! Imagina, mostrar a carta a fulano de tal tentando descobrir o mais pequeno indício na sua atitude. E ficar a pensar: “este tipo, se foi ele, deve estar a encher o papinho de gozo”. Mas será alguém do teu círculo de amizades ou será algum louco que se lembrou de enviar cartas anónimas ao Deus dará?
Tentar adivinhar. Oh que sina! Que fascínio também. Pôr em prática um sexto sentido. Apostar em alguém. Cá está o desafio.
Sim. Finalmente esta carta anónima pode ser um desafio.
Imagina que sicrano escreveu esta carta. E então decides responder-lhe. Agora, se não foi sicrano, imagina a confusão que a tua resposta à carta anónima vai gerar na cabeça dele. Percebes a ideia? Um gozo! Bom se calhar não achas gozo nenhum. Também … se não achares, não é lá muito grande a perda. Basta-me o gozo que me deu escrever esta carta anónima. Posso também dizer-te que tens a honra de receber a primeira carta anónima que escrevi na minha vida.
Chegando ao fim, tenho que cumprir o formulário das despedidas. Mas desde já te digo: se pensas que o carimbo postal desta carta te vai ajudar a descobrir quem sou, desiste já. É evidente que, como é de praxe fazer-se com as cartas anónimas, eu vou pedir a alguém que coloque esta carta no correio de uma localidade completamente distinta daquela onde vivo.
Diverte-te.
Bom, e as cartas anónimas (parece-me) também se assinam. Então aqui vai:
Beltrano, aquele que vem depois do fulano e do sicrano.