No último dia do mês de setembro encontraram a Maria Júlia sentada na cadeira velha que tinha debaixo do alpendre, com a cabeça pendida sobre o ombro direito. Foi a vizinha Ausenda que deu com ela assim, naqueles termos. Fora lá pedir meia dúzia de limões, que os seus ainda estavam verdes na árvore e pouco sumo deitavam.
Maria Júlia não atendeu ao seu brado e assim, Ausenda foi entrando portão adentro. Contornou a modesta casa caiada de branco e seguiu para as traseiras onde por fim a avistou. Chegando perto percebeu que a Maria Júlia já não estava ali. Saiu em alvoroço… Ai acudam aqui!
Maria Júlia não tinha filhos e depois da morte do marido, havia pouco mais de dois anos, vivia só. Esses dois anos até os passara em acalmia depois de uma vida inteira sujeita aos impropérios que o seu homem lhe lançava a cada bebedeira. O Inácio nunca lhe batera mas arremessava-lhe dia e noite com palavras ruins. Maria Júlia encolhia-se e, em cada dia que passava, abrigava-se das mortificações do álcool com a ajuda do sol que brilhava lá fora, das flores alegres da buganvília que lhe trepava às paredes da casa e do cacarejar animado das galinhas no quintal. Nunca se lhe ouviu um queixume. Sorria às vizinhas e só o seu olhar denunciava por vezes um triste alheamento apenas percetível aos mais atentos.
Aos gritos de Ausenda acorreram os demais moradores do monte e passado algum tempo chegou a ambulância. Levaram a Maria Júlia para os procedimentos legais enquanto as vizinhas lamentavam o sucedido. Uma mulher assim… ainda tão nova.
No dia do funeral vieram as primas direitas, de Lisboa, que outros parentes vivos a Maria Júlia não tinha. Por entre as orações e a encomenda da sua alma à luz eterna, corriam em sussurro as conversas sobre as causas da morte. Ninguém sabia ao certo, mas constava que a autópsia da Maria Júlia tinha espantosamente revelado que no seu coração estavam cravadas muitas palavras. Uma lista interminável de palavras ruins.
Maria Júlia não atendeu ao seu brado e assim, Ausenda foi entrando portão adentro. Contornou a modesta casa caiada de branco e seguiu para as traseiras onde por fim a avistou. Chegando perto percebeu que a Maria Júlia já não estava ali. Saiu em alvoroço… Ai acudam aqui!
Maria Júlia não tinha filhos e depois da morte do marido, havia pouco mais de dois anos, vivia só. Esses dois anos até os passara em acalmia depois de uma vida inteira sujeita aos impropérios que o seu homem lhe lançava a cada bebedeira. O Inácio nunca lhe batera mas arremessava-lhe dia e noite com palavras ruins. Maria Júlia encolhia-se e, em cada dia que passava, abrigava-se das mortificações do álcool com a ajuda do sol que brilhava lá fora, das flores alegres da buganvília que lhe trepava às paredes da casa e do cacarejar animado das galinhas no quintal. Nunca se lhe ouviu um queixume. Sorria às vizinhas e só o seu olhar denunciava por vezes um triste alheamento apenas percetível aos mais atentos.
Aos gritos de Ausenda acorreram os demais moradores do monte e passado algum tempo chegou a ambulância. Levaram a Maria Júlia para os procedimentos legais enquanto as vizinhas lamentavam o sucedido. Uma mulher assim… ainda tão nova.
No dia do funeral vieram as primas direitas, de Lisboa, que outros parentes vivos a Maria Júlia não tinha. Por entre as orações e a encomenda da sua alma à luz eterna, corriam em sussurro as conversas sobre as causas da morte. Ninguém sabia ao certo, mas constava que a autópsia da Maria Júlia tinha espantosamente revelado que no seu coração estavam cravadas muitas palavras. Uma lista interminável de palavras ruins.
Que pena a Maria Júlia não ser surda, talvez se o fosse, o seu sorriso teria sido ainda mais bonito...
ResponderEliminarGosto dos teus textos, Luísa!
Adorei esta história! :)
ResponderEliminarBeijocas e bom passeio de domingo!
Luísa,
ResponderEliminarUm texto com grandeza e pleno de dignidade. Parabéns!
Beijo :)
Expressas-te muito bem, luísa. Com palavras e com imagens.
ResponderEliminarGostei. Gostei muito.
Arrepiei-me minha amiga ao ler este seu texto.
ResponderEliminarAs palavras matam muito mais que as acções, só que demoram mais tempo a ter efeito.
beijinhos comovidos
Gostei muito desta história, apesar de ser triste.
ResponderEliminarInfelizmente as autópsias nem sempre revelam as verdadeiras causas.
ResponderEliminarAh pois... Porque há palavras que matam!
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