quarta-feira, 4 de março de 2020

Ninar


Enquanto agarro na pega metálica para manter o equilíbrio e penso que será conveniente não passar a mão pelo rosto sem antes a lavar, observo a mão da rapariga que vai sentada no banco que me proporciona a tal pega. A mão da moça, dizia eu, acaricia a nuca e os cabelos do rapaz que se senta a seu lado. O gesto parece-me condizer com o olhar amoroso que o acompanha. O rapaz, com elevado grau de probabilidade, deve gostar de sentir aqueles dedos que lhe esfregam delicadamente o couro cabeludo. O rosto da rapariga também atrai o meu olhar e provoca-me uma certa estranheza. Os dedos continuam a sua dança lenta entre as mechas de cabelo do moço. O ato prolonga-se por várias estações sem interrupção e a jovem fecha os olhos dormitando já, embalada também pelo movimento do metro. Faz-me lembrar do hábito que tinha um sobrinho meu, quando pequeno. Para adormecer mexia demoradamente nos cabelos da mãe. Não usava chucha, não enrolava a ponta de uma fralda, não segurava em qualquer boneco de peluche. Os cabelos da mãe eram a sua cantiga de ninar. Volto a olhar para o rosto estranho da passageira do banco a que me agarro, e noto agora que é tal qual uma cara de bebé.

14 comentários:

  1. É no limiar do adormecer que nos chegam, mais fortes, os laivos de saudade, ecos da meninice perdida!
    Gostei muito do texto, Luísa, muito!

    Beijinho. :)

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    1. Obrigada, Janita, por essa leitura de uma saudade que me pareceu boa. :)

      Beijinho :)

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  2. O ninar do meu filhote era o acarinhar a minha orelha 😉... Bj e gosto do texto!

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    1. Cada bebé com as suas "manias". :)
      Obrigada Gracinha!

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  3. As coisas que fazemos inadvertidos. Bonita descrição de um momento que talvez só a Luísa tenha observado na sua essência.Ou é sentido apenas seu e outros terão visto na mesma coisa uma coisa outra:)
    Bom Dia.

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    1. Há sempre diferentes modos de ver a mesma coisa, bea. Cada um com os seus filtros pessoais. :)
      Obrigada.

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  4. Extremamente ternurento este post!

    A mim, tocou-me particularmente. Desde que me conheço por gente que tenho o vicio de enrolar o cabelo. Não puxo, não arranco mas enrolo.

    O meu estado de espirito é perfeitamente detectável de acordo com a maneira como estou a enrolar o cabelo.

    E nem me apercebo: pode ser no trabalho, no supermercado, na praia, a conduzir.

    Já me aconteceram situações cómicas e ternas graças a esse "vicio"!

    Embora me julgue muito séria, se calhar afinal tenho um lado de criança.

    Muito obrigada Luísa por me fazer pensar nisso. Sempre achei que ter este vicio não seria algo muito bom.

    Um abraço do Algarve,

    Sandra Martins

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    1. Todos temos manias ou tiques, Sandra. Lembro-me de uma colega que tive, no meu primeiro trabalho, ainda era eu universitária, que se entretinha enrolando pedacinhos de papel entre os dedos polegar e indicador. :)

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  5. Um texto muito ternurento.
    Abraço e bom fim de semana

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  6. Retomando as rotinas depois de uma semana em correria em Portugal.
    Boa semana

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    1. E eu respondendo com atraso aos comentários que aqui me deixaram.
      Obrigada por passar por cá, Pedro!

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  7. Ninar numa carruagem do metro, enquanto acaricia os cabelos do companheiro... Poderá parecer estranha, mas acho que é uma imagem simpática.
    (Então ontem não houve passeio de domingo? Estranhei a falta, Luísa)

    Uma boa semana :)

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    1. O metro tem sempre personagens estranhas, AC.:)
      E eu falhei o passeio de domingo, de facto. Não por falta de passeio real que fiz, tanto no sábado como no domingo e em companhia de familiares em visita. Não deu foi para editá-lo aqui.
      Obrigada

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