domingo, 29 de outubro de 2017

Passeio de domingo (380)


Rio acima, rio abaixo, assim passeou hoje uma algarvia pelo Alto Douro Vinhateiro.










Encomenda

Peço-te, se puder ser, que me tragas a outra metade da lua. Quero poder juntá-la à metade que vi hoje, espreitando sobre as curvas dos serros. Demora o tempo que for preciso. Saberei esperar para vê-la de novo cheia, brilhando então sobre o mar.



domingo, 22 de outubro de 2017

Passeio de domingo (379)


Passeio breve, de fim de dia, no meio do mato e de algumas árvores esquecidas pelos donos.









quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Se Deus quiser


Diário

Se Deus quiser hei-de morrer
Com tudo feito e por fazer.

Raul de Carvalho, Duplo Olhar, 1978

[Colhido em: Poemas portugueses: antologia da poesia portuguesa do Séc.XIII ao Séc.XXI, Porto Editora, 2009]

Ato de contrição

Tristeza e arrependimento pelos que provocam, pelos que falham, pelos que se esquecem, pelos que fingem, pelos que não querem saber, pelos que se aproveitam, pelos que odeiam, pelos que maldizem, pelos que mentem, pelos que desrespeitam, pelos que buscam vingança, pelos que enganam, pelos que ignoram, pelos que não fazem.

Por nós todos.

domingo, 15 de outubro de 2017

Passeio de domingo (378)


No dia oficial para o encerramento da época balnear, por estas bandas, fui ver como decorria o fecho da praia.









Como terra seca


Como terra seca
morrendo por chuva
que não cai,
assim sou eu.

Sedenta
De palavras tuas
como gotas de água,
carícias de vida,

salvação.


sábado, 14 de outubro de 2017

Verbena

Com o cansaço e o calor colados ao corpo, entrei na banheira depois de ter escolhido um sabonete novinho em folha. Retirei-o da embalagem -  um papel tão bonito que até me dá pena jogá-lo fora – senti-lhe a lisura ao toque e o aroma a invadir o espaço. Coloquei-o na saboneteira antecipando o prazer que me daria estreá-lo. É o melhor banho, aquele em que se estreia um sabonete.  Abri o chuveiro, deixei cair a água morna sobre o corpo, molhei a esponja. Uma pausa na água para ensaboar a esponja e para a esponja me ensaboar a mim. O Castelbel de verbena de volta à concha onde vai morar nos próximos tempos e gastar-se um pouco mais a cada dia.  A água de volta, a espuma a sumir-se no ralo. Seco-me, toda eu envolta naquela essência, revigorada.  O perfume vai manter-se, renovado a cada banho, mas o brilho da superfície polida e o toque da primeira vez só serão repetidos na próxima estreia.  

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Papilio machaon


Andava eu em busca de alimento, dirigindo-me para um terreno onde sabia que ia encontrar arruda (deliciosa, por sinal), quando fui atraída por uma flor enorme, de um cor-de-rosa vivo, que se encontrava rente ao chão, bem no meio de um caminho de terra batida. Conduzida pela minha irrefreável curiosidade, desci em voo controlado e pousei nela. Só então percebi o meu engano e rapidamente me escapuli. Aquilo não era flor que se cheirasse, não. Era o pé de uma fêmea da espécie humana, todo ele protegido por uma armadura denominada sapatilha. Foi um susto que nem vos conto. 

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

O blog indiscreto


Alguns observatórios de aves são também repositórios de amores pintados ou gravados na madeira destes abrigos. Mais do que uma vez tenho neles encontrado declarações amorosas que vou recolhendo para alimentar o sítio especializado na matéria que tenho ali ao lado. É um blog cusco e desenvergonhado pois aponta a dedo, ou melhor a clique fotográfico, os dizeres apaixonados de amantes desconhecidos.

Num destes observatórios, encontrei há dias, uma mensagem delicadamente presa entre as tábuas de madeira. Meia dúzia de linhas como uma espécie de desabafo que, por deformação blogueira, também imagino amoroso. Há feitios difíceis, mas provavelmente irresistíveis. Como o descrito num pedaço de papel que este blog indiscreto desdobrou, leu, fotografou e voltou a colocar onde estava, no silêncio de uma fresta de madeira.


domingo, 8 de outubro de 2017

Passeio de domingo (377)



Que me desculpem os que aqui trago ao engano... Hoje não houve passeio, a não ser por entre as mesas de uma festa de batizado, em boa  e familiar companhia.







Do poema


Do poema

O problema não é
meter o mundo no poema; alimentá-lo
de luz, planetas, vegetação. Nem
tão-pouco
enriquecê-lo, ornamentá-lo
com palavras delicadas, abertas
ao amor e à morte, ao sol, ao vício,
aos corpos nus dos amantes -

o problema é torná-lo habitável, indispensável
a quem seja mais pobre, a quem esteja 
mais só
do que as palavras
acompanhadas 
no poema


Casimiro de Brito
in Telegramas, 1959

[colhido em  Algarve: 12 poetas a sul do séc.XXI, Livros Capital, 2012]

sábado, 7 de outubro de 2017

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

História do príncipe Mar-Hà-Já e das pedras coração

Quando chegou a milésima segunda noite e todos os leitores dos quatro cantos do mundo temiam pela vida de Scheherazade, esta foi acordada como sempre pela sua irmã Dinarzade que, bem antes do sol nascer, lhe pediu para contar a história das misteriosas pedras em forma de coração, que o mercador Bendredi Ali tinha, anos atrás, trazido ao porto da cidade e que elas, com seu pai, tinham comprado e guardado num grande frasco de vidro. Scheherazade perguntou ao sultão se lhe permitia contar mais esta história. Tendo Schahriar consentido, pois andava já irremediavelmente viciado nas histórias de Scheherazade, ela começou assim:

Segundo Bendredi Ali, aquelas pedras coração tinham-lhe sido vendidas por um mercador chamado Adir, vindo das costas atlânticas. Adir teria recolhido dezenas daquelas pedras, de cores diversas, nos areais do reino de Atlantis onde se contava que eram mulheres encantadas.

Em tempos antigos, vivia naquele reino um príncipe chamado Mar-Hà-Já que se apaixonou por uma bela mulher plebeia. A jovem também se enamorou do príncipe e encontravam-se em segredo na praia, ao abrigo das rochas. Na verdade, existia um grande obstáculo ao seu amor. A jovem estava prometida a um grã-vizir das Índias Orientais como forma de pagamento de uma dívida de seu pai, e em breve seria levada dali pelo futuro marido. A única solução seria fugirem para um reino distante e assim pensaram fazer. Porém, duas meias-irmãs da jovem plebeia, roídas de inveja por não terem elas conquistado o coração do belo Mar-Hà-Já, denunciaram os planos dos dois amantes ao grã-vizir.  Na noite da fuga, brilhando a lua cheia sobre os rochedos da praia, a guarda armada do grã-vizir das Índias Orientais intercetou o casal que, para escapar, correu mar a dentro desaparecendo da vista dos seus perseguidores...


Neste ponto, estando o dia a despontar, Scheherazade não pôde continuar a história e agora não se sabe se sobreviverá à milésima terceira noite.


Restos de coleção...

Há que aproveitar, meus senhores, porque estão a muito bom tempo.