terça-feira, 29 de agosto de 2017

Consciência

Vejo-as, ainda de longe, no passeio do topo da rua pela qual caminho. Observam, como que a medo, o corpo que repousa num banco público. Trocam impressões, inquietas, seguram o queixo com uma mão, apoiam a outra na anca, dão um passo em frente, inclinam o tronco para aproximar os olhos do objeto da sua curiosidade, recuam um passo e voltam ao seu posto inicial de observação. 

Um homem acerca-se das duas mulheres. Imagino-lhes os questionamentos sobre quem se mantém ali estendido, imóvel, corpo morto sobre o banco, debaixo de uma árvore de escassa folhagem. Num repente o homem chega-se ao corpo inanimado e, como aferindo-lhe a pulsação, pousa os dedos sobre o pescoço da criatura que, apenas adormecida, se senta de sobressalto.

Gesticulam e explicam-se os três observadores dando conta das suas inquietações à mulher já acordada e a refazer-se do susto. A conversa está agora ao alcance dos meus ouvidos. Aconselham-na a colocar a cabeça à sombra, que se deite, sim, mas que se proteja do sol.

Enquanto a mulher ensonada se mantém muito direita, sentada imóvel no banco de jardim, as duas primeiras vão à sua vida, dizendo uma para a outra, que não se podia ir embora sem fazer nada. Não podia. É que não iria ficar de bem com a sua consciência.

10 comentários:

  1. Ah, quanta tranquilidade para se poder adormecer assim num banco de jardim, eu seria incapaz...e que bela descrição fez do quadro.
    ~CC~

    ResponderEliminar
  2. Excelente a forma como descreves o acontecimento!
    Na verdade não se pode ser indiferente a certas situações.

    Beijinho Luísa

    ResponderEliminar
  3. Se há algo de que não podemos escapar e nem podemos enganar é a nossa própria consciência, podemos até tentar iludi-la ou iludir-mo-nos com relação à mesma, mas a própria e/ou as suas consequências são incontornáveis!

    Abraço

    ResponderEliminar
  4. A consciência, para quem a tem, pode ser uma coisa terrível.

    ResponderEliminar
  5. Não são todas as pessoas que estão dispostas a parar para se inteirarem do que se passa. Cabe realmente ao livre arbítrio de cada um.

    ResponderEliminar
  6. Uma boa soneca interrompida, para uma, a consciência aliviada, para outras duas e uma situação do quotidiano belíssimamente contada !

    Gosto muito dos teus mini contos, Luisa ! ... Nunca pensaste escrever um livro ?... e uma recolha dos teus contos ?... Mereciam uma "rubrica" própria !

    Beijinhos, amiga ! :)

    ResponderEliminar
  7. CC,
    Eu também acho que não seria capaz, mas nunca sabemos em absoluto o que nos pode suceder. :)

    Adélia,
    No entanto, o mais provável era eu passar pela mulher deitada no banco e não me questionar sobre o seu sono. Seguiria o meu caminho com a minha consciência talvez mais inconsciente do que a daquelas duas mulheres.

    Victor,
    A consciência pode ser bastante mutável…

    Pedro,
    E quando assim é, pesa…

    Mz,
    Lá está. Eu não pararia. Será isto aquela maleita da indiferença que se tem vindo a instalar na vida das cidades?

    Rui,
    Fico feliz com essas palavras mas não me parece que estes pequenos apontamentos da vida quotidiana, neste caso testemunhados, sejam assim tão merecedores… :)

    ResponderEliminar
  8. Não sei se teria uma consciência assim, ainda bem que ainda há quem a tenha :)

    ResponderEliminar
  9. Com esta descrição até me pareceu que estava lá também :)
    a senhora levou um susto, mas se estivesse a precisar de ajuda as senhoras com consciência poderiam tê-la salvo...

    ResponderEliminar
  10. ...claro, a mutável plasticidade da consciência é tanta que pode divergir numa mesma pessoa em momentos e contextos diversos, ainda que face a um mesmo equitativo assunto, para além de poder divergir muito entre indivíduos ou de entre o indivíduo e a própria consciência colectiva, etc.; pelo que o que eu quis dizer é que não podemos fugir à mesma quando, como e enquanto a mesma é nossa e/ou em nós mesmos, duma determinada forma, num determinado espaço e tempo. E no caso a consciência daquela senhora, naquele momento e naquela circunstancia levou-a a agir como agiu, sem prejuízo de numa outra oportunidade perante situação absolutamente semelhante a própria já não agir da mesma forma, por designado e simples hipotético exemplo não agindo de todo... vb

    ResponderEliminar