sexta-feira, 18 de agosto de 2017

Receita


Receita para fazer o azul

Se quiseres fazer azul,
pega num pedaço de céu e mete-o numa panela grande,
que possas levar ao lume do horizonte;
depois mexe o azul com um resto de vermelho 
da madrugada, até que ele se desfaça;
despeja tudo num bacio bem limpo,
para que nada reste das impurezas da tarde.
Por fim, peneira um resto de ouro da areia
do meio-dia, até que a cor pegue ao fundo do metal.
Se quiseres, para que as cores se não desprendam
com o tempo, deita no líquido um caroço de pêssego queimado.
Vê-lo-ás desfazer-se, sem deixar sinais de que alguma vez
ali o puseste; e nem o negro da cinza deixará um resto de ocre
na superfície dourada. Podes, então, levantar a cor
até à altura dos olhos, e compará-la com o azul autêntico.
Ambas as cores te parecerão semelhantes, sem que
possas distinguir entre uma e outra.
Assim o fiz – eu, Abraão bem Judá Ibn Haim,
iluminador de Loulé – e deixei a receita a quem quiser,
algum dia, imitar o céu.

Nuno Júdice

In Meditação sobre ruínas, 1995

8 comentários:

  1. Interessante esta receita azul!

    Bom fim de semana Luísa.

    Beijinho

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  2. Se a foto foi feita seguindo a receita...é uma tentação copiá-la:).

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  3. Adoro o teu azul de um mar que sempre me encanta.
    O poema é lindo.

    Bom fim de semana

    Beijinhos Luisa

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  4. Muito bonito! O Júdice (assim o chamava o Prof. Lindley Cintra na Faculdade nos idos de 60) muitas vezes excede-se e... faz azul. O azul do teu/nosso Algarve.

    Beijinhos azuis.

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  5. durante quase todo o ano, Portugal é o pais azul

    texto bonito Luisa

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  6. Tão lindo, Luisa! não sou grande fã de azul, mas com uma receita tão bonita, fiquei com um bocadinho mais de carinho por ele... =)

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  7. Lindo o texto, perfeito a cor azul.

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  8. Magnífico o azul deste(a) quadro(foto), que imagino de autoria da Luisa, a fazer sustentado jus ao magnífico texto de Nuno Júdice.
    Dupla obra d'Arte!
    Parabéns

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