São cinco da tarde e ouço os galos a cantar. Não é normal os
galos cantarem a esta hora. Todos sabemos que os galos cantam cedo pela manhã e
que o fazem para nos acordar. A esta hora, o normal é ouvirmos apenas as
cigarras. E elas cumprem. Estão lá fora nos seus postos de trabalho – de trabalho
sim, que são elas as mais esforçadas artistas do verão – soltando, do seu abdómen,
as estridentes e incessantes notas que nos embalam os dias de calor. Estranho,
por isso, o som altivo que, adivinho, sai do galinheiro da minha tia. Podia até
ser do galinheiro do meu pai. Mas não. Olhando para lá, para de onde vem o canto,
percebe-se perfeitamente que este se alinha numa diagonal, vindo do lado
esquerdo do pomar, até chegar aqui à minha varanda. Se fossem os galos do meu
pai, a linha de som viria a direito, na perpendicular ao meu horizonte. São, sem
sombra de dúvida, os galos da minha tia. Não sei o que querem anunciar. Não
será o dia, certamente, que este já vai longo. A não ser que os pobres tenores,
tal como eu na noite passada, tenham interrompido o sono por conta das músicas
dos DJs que, madrugada dentro, foram batucando, batucando, batucando e chegaram até aqui trazidas pelo vento. De mal dormidos,
precisaram de uma sesta e agora, coitados, acordaram com o despertador do
avesso.