sábado, 26 de maio de 2012

O dono da rua

Sempre que passo naquela rua e ultimamente passo lá com frequência, lá está aquele homem de cabelo grisalho e ar decadente observando quem passa, frente àquilo que deve ter sido em tempos uma loja e em cuja montra se amontoam trastes velhos e desbotados. Senta-se numa cadeira de jardim, com ripas de madeira e pés de metal, daquelas que se fecham para arrumar ao canto de uma qualquer arrecadação. O assento da cadeira já tem falta de uma das ripas de madeira mas isso parece não o incomodar. Instala-se logo pela manhã e fica observando o movimento da rua enquanto esfrega as coxas com as mãos repetindo com elas um movimento circular sem fim.

Quando, pela tarde, passo de novo por ali, o homem continua no seu posto. Por vezes está no passeio do lado de lá da rua, onde a essa hora já bate sombra.

Penso que passa ali o dia. Por vezes deve fazer algum intervalo na sua tarefa de observação da rua, dos carros e dos passantes. Nesses momentos fica só a cadeira de ripas de madeira e pés de metal, pousada junto à tal loja de trastes velhos e desbotados.

Também já o vi entrando e saindo de uma casa velha com porta para a mesma rua, apenas a alguns metros de distância do poiso da cadeira. Nunca o vi conversando com algum vizinho. Apenas observa a rua e esfrega as coxas com rápidos movimentos circulares das mãos. Atrás de si, as paredes decrépitas daquilo que em tempos deve ter sido uma loja ostentam flores de plástico que perderam a cor e pequenos bonecos de peluche também já muito pálidos e sujos. O homem mantém-se ali , no seu posto, observando, como se fosse o dono da rua e tivesse que velar pelo que nela se passa. Assim, sempre, dia após dia.

2 comentários:

  1. Uma descrição que nos coloca no meio da cena perturbados pelo que vemos...

    Coitado do homem!

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  2. Consegui com o teu texto ver essa cadeira, esse homem e essa loja. Se nos presenteasses com imagens seria fantástico :)

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