sábado, 15 de janeiro de 2011

O livro

Quitéria ia pelo menos uma vez por semana ao hipermercado. Morava ali perto e o novo hábito de ir até ao vasto espaço comercial tinha rapidamente substituído o velho hábito de ir à mercearia que ficava no quarteirão a seguir ao da sua casa. Além disso, o hipermercado tinha outros motivos de interesse.

Quitéria entrava e detinha-se logo na primeira secção à direita, olhando demoradamente os escaparates dos livros. Ficava fascinada com as imagens das capas e com a forma e cor das letras que desenhavam os títulos. Gostava também de ver as fotografias dos autores que se apresentavam nas badanas ou nas capas posteriores dos volumes expostos. Agarrava um ou outro exemplar, folheava-o e admirava as letras que se alinhavam, certinhas, em palavras de diversos tamanhos que preenchiam cada página do livro. Depois, o tempo apressava-a e dirigia-se aos corredores dos produtos alimentares para, rapidamente, recolher aquilo de que estava a precisar. Passava na caixa, pagava e seguia com o seu passo manco, de regresso a casa.

Naquele Sábado, Quitéria demorou-se a folhear o livro que tinha, na contracapa, a fotografia da apresentadora de televisão que costumava ver todas as manhãs enquanto lidava na cozinha. Estava exposto perto daquele que trazia a fotografia do famoso jogador de futebol. De repente, Quitéria decidiu-se. Virou para a secção de papelaria e foi até à prateleira dos cadernos. Já ali tinha estado anteriormente. Sabia o que queria. Avistou o caderno de capa rija e vermelha, pegou-lhe e apressou-se a passar na caixa.

Em casa, sentou-se à mesa da cozinha, abriu o caderno e começou a sua obra.

Quitéria tinha aprendido, em tempos, a escrever o seu nome completo. Lembrou-se da professora que lhe elogiava a caligrafia. Quitéria desenhava as letras muito certinhas.

Quitéria Raminhos da Silva.

Da primeira à última página, inscreveu repetida e laboriosamente o seu nome. Quitéria Raminhos da Silva. Terminou ao final da tarde. Doía-lhe o pulso, mas estava satisfeita. Retirou da gaveta aquela fotografia em que gostava de ser ver e colou-a na capa vermelha do caderno.

Sorriu para si própria. Finalmente, também ela tinha escrito o seu livro.

3 comentários:

  1. Um conto muito original, luisa! Parabéns. Como gostei de o ler!...

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  2. Mesmo correndo o risco de me enganar, pois nunca li nenhum dos livros da apresentadora da tv nem do jogador de futebol, ia jurar que o livro da Quitéria, assim mesmo como o descreves, tinha muito mais assunto do que os outros!!
    Rog

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  3. Que conto maravilhoso. De uma sensibilidade incontestável. Uma simplicidade de dar gosto e sentido à vida.

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