sábado, 7 de abril de 2018

Raiva


Magra, de cabelo muito curto, impecavelmente vestida com as suas calças de fantasia, sapatilhas, blusa azul-escuro, lenço ao pescoço, bem maquilhada, unhas arranjadas, pintadas de vermelho, anéis e pulseiras, distingue-se completamente das demais. Apesar do andarilho que leva à sua frente, ainda mostra agilidade. Dirige-se à mulher que sai do refeitório. Não me digas que já estás com fome. Que não, responde-lhe a outra, só fui buscar água. De onde me encontro, escapa-me boa parte da conversa, mas percebo-lhe a genica e chegam-me excertos dos desabafos. Com a raiva que sente até está capaz de ir a pé até Espanha, diz. Fala de quem a pôs ali. Foi ela, insiste. Ainda arranjo um carro e vou-me embora. E um homem. Mas um novo, que velhos não dá nada. Depois, levanta o andarilho e caminha para o elevador. Na sala já não há raiva e fica a faltar cor.

11 comentários:

  1. Isso do andarilho deve ser coisas temporária...tal como a raiva de quem a pôs ali...
    Gosto de pessoas que mantêm o gosto em se arranjar, apesar dos pesares! Com mais ou menos colorido...

    Beijinhos, bom passeio de Domingo, Luísa! :)

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  2. :))) Trivialidades que escapam à maior parte das pessoas, mas que se bem atentas, algumas, são verdadeiras pérolas !
    Um rubrica muito interessante, Luisa ! :)
    Esta, apesar do andarilho, bem apessoada e arranjada, não deixa de pensar no homem novo, que velho não dá ! eheheh

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  3. Cidália,
    Uma visita a um lar de idosos é sempre marcante.

    Janita,
    Talvez seja temporário, sim… Se bem que a partir de uma certa idade, o temporário também é um conceito relativo.
    O passeio foi mesmo ao pé de casa. :)

    Catarina,
    Penso que sim.

    Larissa,
    Há tristeza, mas não só. Aquela mulher ainda tinha ali uma boa dose de alegria por usar, só que outros sentimentos estavam a embrulhá-la.

    Rui,
    Visitava a minha tia no lar e vendo esta residente, tão diferente de todos os outros idosos, já muito amorfos ou desligados da realidade, foi inevitável chamar-me a atenção.

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  4. Enquanto há VIDA Há ESPERANÇA e sonhar facilita e muito!
    Costumo visitar uma tia minha que está no lar e comove-me a forma como na sua mente ... se faz transportar para locais que jamais voltará a visitar!!!
    bj

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  5. Há uns anos atrás cheguei a acompanhar algumas vezes a minha sogra em visita a uma tia que estava num lar. Faleceu aos 97 mas sempre esteve muito "fresca", lúcida e quase sempre independente até ao final. Tinha também essa postura de elegância, procurava apresentar-se sempre no seu melhor e não gostava que a visitassem sem avisar, não fosse dar-se o caso de estar "menos própria" para receber visitas.

    (^^)

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  6. Gracinha,
    É verdade. E eu sou até muito positiva, embora haja casos bastante tristes.

    GM,
    Infelizmente, serão ainda muito poucos e para poucos os lares que não nos deixem deprimidos quando vamos de visita.

    Afrodite,
    Enquanto se consegue manter a lucidez tudo tem outro brilho, outra alegria. :)

    Manuel Veiga,
    Era o que esta senhora parecia querer fazer…

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