É desde cedo,
pela manhã, que me chega um aroma de ti. Chega-me no café que faço, colheres
cheias deitadas na cafeteira, água fervente derramada com vagar, em fino fio
que ponho a rodar sobre a moagem escura até que se dilua e forme uma pequena
camada de espuma que, por fim, tapo e calco lentamente. Chega-me também no
cheiro dourado do pão que torra, na manteiga que se derrete, na frescura da
polpa de uma papaia. Chega-me, depois, na claridade do dia que me envolve à
saída de casa e no verde das árvores que correm, mais ou menos velozes, em cada
lado da estrada. Esse aroma verde chega-me pelo canto do olho que não se quer
distrair do carro da frente mas que se encanta de bom grado com o colorido de
uma ou outra flor silvestre que nele se intromete. Como se me perseguisse,
chega-me um aroma de ti no tom lilás dos jacarandás que já florescem na cidade,
na algazarra dos miúdos que chegam às escolas, no eco dos pavões que ouço no
jardim, no desenho de um ninho de cegonhas encostado ao campanário da igreja. Até
nos papéis dos processos e nas folhas do caderno de apontamentos, o sinto. Acompanha-me
ao longo do dia e ainda agora o sinto. Esse aroma, já percebi, colou-se-me definitivamente
à pele.