quinta-feira, 19 de setembro de 2013

A consciência

O velho Sebastião sentava-se todos os dias numa cadeira de pau que tinha encostada à parede exterior da casa, junto à porta de entrada. Ficava ali observando a rua e quem por lá passava. Por vezes um ou outro vizinho parava junto dele e trocavam dois dedos de conversa. Depois seguiam caminho e ele mantinha-se ali, sentado, pensando na vida e lembrando-se do passado. 

Havia assuntos de que ele não queria recordar-se mas que sistematicamente lhe vinham à memória. Abanava a cabeça tentando afugentar recordações que o embaraçavam, sabendo que já não poderia redimir-se junto de quem tanto havia prejudicado.  Incomodado, acabava por se levantar de repente, recolhia a cadeira para dentro de casa e, ao olhar para o chão, via sempre um pequeno monte de detritos de uma cor que variava de dia para dia. 

Intrigado e sem saber de onde surgia aquela espécie de serradura ia buscar uma vassoura e uma pá para a remover. O mais bizarro era que mal deitava fora aquela poeira desconhecida, o velho Sebastião esquecia-se do caso e só voltava a ficar preocupado com o estranho acontecimento no dia seguinte, quando encontrava nova serradura junto à cadeira onde passava os dias sentado, pensando no que tinha feito da vida. 

Com o tempo começou a perceber que o volume de detritos acumulados diariamente junto à sua cadeira era tanto maior quanto mais se lembrava de uma injustiça que cometera na juventude. O velho Sebastião percebeu finalmente a razão do fenómeno. O facto é que, por não ter reconhecido a sua culpa quando devia, lhe roía agora a consciência. Roía-lhe de tal forma que se desfazia aos poucos aos pés da cadeira de pau onde se sentava todos os dias.

11 comentários:

  1. Que bom seria que assim acontecesse com toda a gente...

    ResponderEliminar
  2. Pena que haja gente que nem sequer se começa a roer...

    Adorei o texto!

    ResponderEliminar
  3. Uma construção mal feita acaba sempre por dar de si...
    Muito bem, Luísa, tem que escrever mais neste registo.

    Beijo :)

    ResponderEliminar
  4. Excelente, Luisa ! ... o peso da consciência manifesta-se em múltiplos aspectos ! ...
    Muito bom ! :))

    Bj.
    .

    ResponderEliminar
  5. pois, há coisas que por mais que procuremos esquecer nos vão roendo o espírito

    ResponderEliminar
  6. Adorei o texto... refletindo contigo em final de domingo e sentindo foto de suas fotos do passeio. Um abraço!

    ResponderEliminar
  7. Todos temos os nossos arrependimentos, ter consciência disso já é um grande passo. Há por aí muito boa gente a pensar que é perfeita, isso sim é triste...
    Beijinhos e boa semana:)

    ResponderEliminar
  8. Entre uma cadeira de pau e um banco da Madeira... há quem não note a diferença.
    Falta de memória?
    :(

    ResponderEliminar