Aborreciam-no cada vez mais as
pessoas. De ano para ano, estava a afastar-se dos encontros de circunstância
que durante tanto tempo lhe preencheram a vida. Ao princípio nem deu por isso.
Desculpava-se com o cansaço, com os afazeres familiares inadiáveis, com uma
agenda lotada. Dava uma qualquer explicação que antes de mais servia para se
justificar a si próprio. Convencia-se da inevitabilidade de adiar os encontros,
de recusar os convites, de se afastar dos vizinhos, dos amigos, dos colegas,
dos primos. Procurava o silêncio e aos poucos foi-se esquecendo das palavras. Nas
últimas semanas poucas foram as que pronunciara. Dava por si parado, olhando ao
longe sem distinguir sequer a linha do horizonte. Desinteressara-se dos seus
livros que lhe pareceram de repente demasiado iguais uns aos outros.
Virava-lhes as páginas e só via uma mancha difusa de caracteres que deixou de
entender. Ocupava-se a vigiar os insetos que procuravam alimento nas flores do
jardim e nas que cresciam, silvestres, na beira do caminho. Apreciava os seus
movimentos alados. A sua atenção dividia-se entre esses e as aranhas que
construíam as suas finas teias entre troncos e folhas de arbustos, na quina de
uma parede ou de um degrau. Não sentia fome, nem frio, nem calor. Passava horas
naquele estado de apatia, apenas observando os movimentos da bicharada. Tantas
horas assim, apenas interrompidas pela noite e pelo sono. Até que finalmente,
numa manhã de sol radioso, acordou, leve, feliz, pendurado numa teia.
Não gosto de aranhas...
ResponderEliminar:(
mas admiro as teias que elas tecem, ao ponto de as fotografar.
:)
Ainda bem que ficou feliz por virar aranha :)
ResponderEliminarmuito kafkiano, gostei.
ResponderEliminarGosto disto :)
Crééééééédooo! que horror de imagem... só consegui ler o texto pk ajeitei a imagem no monitor para a fotografia ficar abaixo do limite e depois dei um salto rápido para baixo para vir aos comentários... =) Mas o texto está maravilhoso!
ResponderEliminarOra cá está mais um bom texto.
ResponderEliminarEspero que continue nesta vertente, a Luísa tem muito talento. Ouse!
Beijo :)
Luisa Kafka!
ResponderEliminarMuito bom!
Uma fotografia muito gira, a ilustrar um texto bonito e esotérico... :)
ResponderEliminarBeijocas!
§ As imagens do post anterior cheiram a Algarve, ai, ai... :D
A transformação no observado... o mimetismo da vida!
ResponderEliminarQue linda foto!
Beijos,
Odeio aranhas.
ResponderEliminarMas a existência desta (este?) está desculpada e justificada: que grande fotografia!
Rog
um texto original e com muito talento.
ResponderEliminargostei!
beij
Maravilhoso, um texto impecável e um final à Ingmar Bergman!
ResponderEliminarParabéns.
Beijo
Graça
Aplausos para quem escreveu esta maravilha.Muitos aplausos.Bem melhor que metamorfose de Kafka.
ResponderEliminarabraços e sucesso.
O texto está maravilhoso... mas a imagem faz-me arrepiar toda!
ResponderEliminarDeus do céu!....
ResponderEliminarMas que bom texto! À maneira dos Bichos de M. Torga. Muito bom!
Beijinho