Naquele sábado de manhã, a menina
Ercília sorria embevecida relendo a mensagem que o senhor António lhe tinha
enviado através do Facebook. Cada palavra alinhada diante dos seus olhos era
para ela pura poesia. O senhor António sabia como desarmá-la e há muito que lhe
tinha anulado as defesas. Pedira-lhe amizade meio ano atrás e a mensagem que,
em simultâneo, lhe tinha enviado provocou-lhe tal efeito que acabou por
contrariar o princípio por ela estabelecido de apenas aceitar amizade de
pessoas que conhecia pessoalmente. A fotografia de perfil do senhor António ainda
lhe suscitou algumas dúvidas. Estava um tanto desfocada, o rosto na sombra,
difícil de perceber as feições. Mas isso pesou bem menos na sua decisão do que
o conteúdo da mensagem que, numa sábia escolha de palavras, tornou irrecusável
aquele início de relação. A amizade foi crescendo
alimentada pelos escritos do senhor António e a menina Ercília, que sempre fora
de uma extrema exigência para com os seus pretendentes, estava agora rendida
aos encantos literários das atualizações de estado daquele desconhecido.
Ao contrário dos anteriores candidatos
a emparceirar com a menina Ercília, este parecia-lhe não ter qualquer defeito.
Lembrava-se, por exemplo, do vizinho do rés do chão que havia pouco mais de um
ano lhe fizera a corte. Ela tinha-lhe refreado os avanços. O facto é que
embirrava solenemente com o hábito que o homem tinha de se pôr à janela assobiando
o Bolero de Ravel. Chegou a associar o
assobio do vizinho a um surto de urticária de que certa vez se viu acometida
tal era o tamanho da aversão que tinha à exibição musical do vizinho. Com toda
a certeza o senhor António não era de se pôr a assobiar à janela.
Concluiu a leitura das palavras
mágicas do senhor António e forçou-se a desligar o computador para sair de
casa. Precisava de passar no supermercado para as compras da semana. Desceu apressada
os dois lances de escadas que separavam a sua porta do átrio do prédio. Calhou o
vizinho do rés do chão estar naquele momento a recolher a publicidade que lhe
enchia a caixa de correio. Calhou também a menina Ercília olhar para dentro da
porta entreaberta do apartamento. Foi um olhar breve, tão breve que teve a
certeza de ter sido apenas uma ilusão aquilo de ver, na parede do hall de
entrada, um quadro igualzinho ao que senhor António tinha publicado dois dias
antes como imagem de capa do seu mural.
Se fosse com a dona fernanda, dava-lhe um chilique...:)
ResponderEliminarMuito Bom Luísa... O Sr. António escondera até ali à menina Ercília que gostava de assobiar o "Bolero" de Ravel !!! :))
ResponderEliminarPor escrito até os grandes defeitos perdem valor enquanto que, no embate com a realidade, defeitos comuns, irritam.
ResponderEliminar:) adorei a história
ResponderEliminarum beijinho
A história em si mesma é muito boa e desde logo muito bem escrita como costume!
ResponderEliminarDe resto esta é uma temática muito curiosa, diria mesmo interessante e/ou até fascinante, de entre, por assim dizer, a realidade presencial e esta realidade virtual.
Por exemplo falando por mim, apesar de todas as minhas limitações inerentes, o facto é que por exemplo expresso-me muito melhor via escrita do que via oral _ defeito de anos de existência mais pró monástica ou eremitica do que interpessoal e social _ pelo que para não correr o risco de desiludir alguém, confesso desde já que sou seguramente mais interessante virtual do que presencialmente!!! :)
Abraço de parabéns à Luísa por mais este fantástico e pertinente texto
Que imaginação!
ResponderEliminarGostei muito.
ResponderEliminarmuito imaginativo, mas, eu até lhe acho algo de bem real.
parabéns Luísa, está impecável.
beijinhos
:)
A menina Ercília foi apanhada na rede!
ResponderEliminar:)
Beijinhos
Será que o senhor António era o vizinho da menina Ercília? Não é com o vinagre que se apanham as moscas, mas sim com o açúcar!
ResponderEliminarBoa noite e bons sonhos.
A história da menina Ercília é deslumbrante , muito bem escrito
ResponderEliminarParabéns Luisa
Uma história muito bem contada e até talvez muito real nos dias de hoje.
ResponderEliminarAdorei.
Abraço e bom fim de semana
Ana,
ResponderEliminarAcredito que sim. A menina Ercília é tão romântica, mas tão romântica, e crédula, que não vai querer ver a realidade. :)
Ricardo,
O senhor António é persistente… :)
Bea,
Digamos que os escritos do senhor António usam alguns filtros e que os olhos da menina Ercília também. :)
Gábi,
Que bom. Obrigada! :)
Victor,
Aquilo que consideramos defeitos, em nós ou nos outros, pode ser muito relativo, dependendo do ponto de vista. :)
Pedro,
Fico contente por ter gostado. Obrigada. :)
Piedade,
Obrigada! É possível que haja por aí muitas meninas Ercílias. :)
Mz,
Nem mais! :)
Edumanes,
Parece-me que sim… :)
O meu Velho Baú,
Digamos que é uma historinha… :) Obrigada.
Elvira,
ResponderEliminarMuito obrigada! A Elvira é que é uma contadora de histórias a sério... :)
Uma bela história que atinge muitas mulheres e homens que por aqui andam à procura de belas palavras.
ResponderEliminarMas quando se deixa uma ponta do rabo de fora, a realidade é outra.
Adorei.