sexta-feira, 29 de setembro de 2017

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Ercília

Naquele sábado de manhã, a menina Ercília sorria embevecida relendo a mensagem que o senhor António lhe tinha enviado através do Facebook. Cada palavra alinhada diante dos seus olhos era para ela pura poesia. O senhor António sabia como desarmá-la e há muito que lhe tinha anulado as defesas. Pedira-lhe amizade meio ano atrás e a mensagem que, em simultâneo, lhe tinha enviado provocou-lhe tal efeito que acabou por contrariar o princípio por ela estabelecido de apenas aceitar amizade de pessoas que conhecia pessoalmente. A fotografia de perfil do senhor António ainda lhe suscitou algumas dúvidas. Estava um tanto desfocada, o rosto na sombra, difícil de perceber as feições. Mas isso pesou bem menos na sua decisão do que o conteúdo da mensagem que, numa sábia escolha de palavras, tornou irrecusável aquele início de relação. A amizade foi crescendo alimentada pelos escritos do senhor António e a menina Ercília, que sempre fora de uma extrema exigência para com os seus pretendentes, estava agora rendida aos encantos literários das atualizações de estado daquele desconhecido.

Ao contrário dos anteriores candidatos a emparceirar com a menina Ercília, este parecia-lhe não ter qualquer defeito. Lembrava-se, por exemplo, do vizinho do rés do chão que havia pouco mais de um ano lhe fizera a corte. Ela tinha-lhe refreado os avanços. O facto é que embirrava solenemente com o hábito que o homem tinha de se pôr à janela assobiando o Bolero de Ravel.  Chegou a associar o assobio do vizinho a um surto de urticária de que certa vez se viu acometida tal era o tamanho da aversão que tinha à exibição musical do vizinho. Com toda a certeza o senhor António não era de se pôr a assobiar à janela.

Concluiu a leitura das palavras mágicas do senhor António e forçou-se a desligar o computador para sair de casa. Precisava de passar no supermercado para as compras da semana. Desceu apressada os dois lances de escadas que separavam a sua porta do átrio do prédio. Calhou o vizinho do rés do chão estar naquele momento a recolher a publicidade que lhe enchia a caixa de correio. Calhou também a menina Ercília olhar para dentro da porta entreaberta do apartamento. Foi um olhar breve, tão breve que teve a certeza de ter sido apenas uma ilusão aquilo de ver, na parede do hall de entrada, um quadro igualzinho ao que senhor António tinha publicado dois dias antes como imagem de capa do seu mural.


terça-feira, 26 de setembro de 2017

Calendário

Não dei pela chegada do outono. Alguns dias fora da rede e escaparam-me todos os posts de boas vindas à nova estação. Cá fora, nem um pingo de chuva. O sol ainda não esmoreceu e a mudança mais visível é a diminuição dos turistas e o aumento dos indígenas, eu incluída, no regresso ao trabalho.

quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Anemonia sulcata



Não posso dizer que não gosto do sítio que escolhi para viver, porque gosto. Ora estou debaixo de água, ora estou ligeiramente fora dela. Não há cá monotonia. Nestas quantas horas em que apanho sol também aproveito para ver uma quantidade de seres estranhos que se movem sobre dois tentáculos apenas. Muitos deles param junto a mim e alguns tocam-me. Não gosto do seu sabor e são demasiado grandes para uma refeição. Por falar nisso, já podia subir a maré, a ver se me chega aqui perto algum alimento de jeito.

Floripes

Conta-se que Floripes era uma moura encantada que vagueava de noite pelas ruas estreitas de Olhão. Toda vestida de branco, com longos cabelos louros, aparecia de madrugada aos pescadores que, por receio, não chegavam a falar com ela. Porém, em tempos, um desses pescadores ter-lhe-á perguntado quem era e porque aparecia assim. Ela contou que tinha sido encantada pelo pai, um mouro, quando este teve que fugir do Algarve. Disse também que para a desencantar alguém teria de seguir com ela num barco, que ela própria orientaria, levando duas velas acesas até chegar ao destino. Se chegasse ao local determinado com as velas acesas, ela perderia o encanto e a pessoa ganharia uma fortuna. Se não chegasse a esse local com as velas acesas, o barco afundaria, a pessoa morreria afogada e o encantamento manter-se-ia. O pescador não aceitou a tarefa e que se saiba nenhum outro quis correr o risco. Continua, por isso, encantada a moura Floripes.

A lenda da Floripes inspirou o filme.

Fonte:


Trouxe para aqui esta lenda do Algarve, para juntar às lendas que vários bloggers resolveram divulgar, convidando quem gosta destas histórias a publicar uma também. Deixo o link para a lista  das lendas já publicadas que a Afrodite criou e vai atualizando.

terça-feira, 19 de setembro de 2017

Selfie

Quando os amigos dela e os amigos dele virem a fotografia nas redes sociais é seguro que vão lá colocar muitos gostos, muitos corações, muitas emoções e que ficarão deslumbrados com a paisagem, o enquadramento, a luminosidade, o cenário… Que o cenário é magnífico, asseguro-vos eu. E ele e ela também. Belos e jovens. Olhei para eles quanto tiravam a selfie. A selfie não, as selfies, porque aquilo foi para cima de quinze minutos de poses e cliques. Nunca eu, nem – acredito - quem por acaso aqui me lê, imaginou o trabalho que dá tirar uma selfie à beira-mar. Ora atentem. Ele já se encontra com os pés na água enquanto ela vai descendo o areal, ajeitando o telemóvel no selfie stick. Com o equipamento pronto, ela sobe para as cavalitas dele. Potentes cavalitas, diga-se, pois que aguentaram a moça durante a toda a sessão fotográfica sem o mínimo desequilíbrio. Fora de água, dentro de água, de costas para o mar, de costas para o areal, olhando para leste, olhando para oeste, inclinando para um lado, inclinando para o outro, ela segurando os cabelos longos e louros, ele fazendo V com os dedos da mão direita. Bem podia eu desviar os olhos para qualquer outro motivo de interesse na praia que, no regresso, lá estavam eles, sempre encavalitados, a experimentar outra orientação dos corpos, uma agitação de braços, uma careta talvez. E eu a achar aquilo inacreditável. Estava perante os verdadeiros profissionais da selfie, uma arte que  nunca dominarei, para mal dos gostos, corações e emoções que jamais poderei granjear.

domingo, 17 de setembro de 2017

Passeio de domingo (375)


Mais uma vez, o passeio não é propriamente de domingo. Mas, que hei de fazer se em férias todos os dias se  parecem com ele e eu, hoje, fiquei com as voltas trocadas?









quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Uma tarde, em setembro

A maré baixa e eu caminhando pela praia, a carícia das ondas a morrerem-me nos pés, as gaivotas voando baixo, as gaivotas voando alto, as gaivotas dormitando na areia e fechando os olhos ao vento, as lagoas entre rochas, os olheiros de água doce borbulhando, a garça procurando alimento indiferente aos veraneantes que se equilibram sobre as pedras enquanto procuram a vida entre marés, o homem que me mostra a cavidade onde se esconde um caranguejo para eu o fotografar, os pepinos do mar sob a transparência das águas, os barcos que regressam dos passeios pela costa, os gritos alegres dos passageiros de uma banana pronta a deslizar sobre as ondas, as cigarras escondidas na vegetação da falésia em competição sonora com a rebentação das ondas, o casal que tira uma selfie, a mulher de meia idade que corre pela praia abanando as carnes, a criança que mostra uma alga ao pai dizendo que parece aquilo das uvas, o pai que joga à bola com os filhos e que canta Porto, Porto, Porto, uma leve neblina no horizonte, o mar todo ele prata.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Queres estas ou estas?

Queres estas ou estas, pergunta a mulher com cara de poucos amigos, dirigindo-se ao homem que conduz o carrinho de supermercado. Em cada mão tem um saco de carcaças e só por estar a segurar os sacos é que não as tem nas ancas. É uma mulher jovem e grande. Grande de quem ocupa bastante espaço, grande de quem ostenta vastas superfícies de prazer. Já o homem que segue agarrado ao carrinho das compras e a quem se dirige a mulher é de pequena estatura. Se colocado ao lado dela não lhe deve ultrapassar o nível do ombro e, na largura, ficará pela metade. A voz é pequena também e parece sumir-se braços abaixo até às mãos, para com elas se agarrar ao carrinho de supermercado como se este fosse uma pequena tábua no meio das ondas ameaçadoras da tempestade.  Tanto faz, tanto faz, consigo ouvi-lo dizer. Queres alguma coisa daqui, retorque ela indicando o corredor seguinte. E logo remata: também não quero saber das tuas compras. Queixa-se de seguida a outro casal que os acompanha, relatando os motivos da sua ira, expondo as faltas cometidas pelo companheiro, que a deixou plantada na secção da padaria e prosseguiu caminho sem esperar pela escolha do pão. Vão os quatro por diante, e o homem pequenino, de fala sumida a justificar-se:  mas ela… qualquer coisa…  Fico a vê-los afastarem-se, tão desproporcionados como as tatuagens que levam nas pernas. Ela, um losango rendilhado que lhe ocupa toda a largura do gémeo, ele, umas finas setas a condizer com a sua diminuta presença. 

domingo, 10 de setembro de 2017

quinta-feira, 7 de setembro de 2017

Odonata


Aqueço a minha curta vida de adulto ao sol de setembro e, sem me mover, olho atentamente à minha volta. Procuro alimento e par com quem tratarei de assegurar a continuação da espécie. Vejo quando te debruças sobre mim. Voo para outro ramo de erva seca ou talvez para o arame daquela cerca. Voo, mas volto a ti. Vá, podes tirar o retrato.

Alongamentos

Gosto da cor da toalha. O roxo de um turco novinho em folha, ainda sem vestígios de sol nem de sal, chama a minha atenção. Formando um pequeno monte, junto ao canto superior direito da toalha, repousam os calções do mesmo tom, um polo rosa velho e uns chinelos pretos. Pretos são também os calções de banho de licra do homem que, junto à toalha, está de pernas afastadas, quase numa espargata, mãos nos tornozelos, costas expostas para o meu lado, cara a roçar a areia. Está ali em equilíbrio, que por momentos me parece periclitante e me faz temer pela possibilidade de lhe ver o rosto esmagar-se, bem sob os meus olhos. Mas logo muda a posição. Deita-se agora de costas, pernas levantadas, abertas de par em par. De novo as mãos agarradas aos pés e as costas a balouçar, cabeça para cima, cabeça para baixo. Depois desenha um quatro com as pernas e enrola os braços pelo meio dos membros inferiores. Ao sol, já transpira o contorcionista. Até eu, pese embora estar à sombra. Depois de muito se contorcer e de se alongar o suficiente, caminha finalmente para o mar.

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

domingo, 3 de setembro de 2017

Passeio de domingo (373)



O passeio é de ontem mas, se não se importam,  vamos fazer de conta que é de hoje. A praia é a do Barranco das Belharucas, Albufeira.









sábado, 2 de setembro de 2017

Parlez-moi d'amour




Parlez-moi d'amour
Redites-moi des choses tendres
Votre beau discours
Mon cœur n'est pas las de l'entendre
Pourvu que toujours
Vous répétiez ces mots suprèmes:
"Je Vous aime"

Vous savez bien que dans le fond je n'en croie rien
Mais cependant je veux encore écoutez ce mot que j'adore
Votre voix au son carressant qui le murmure en fremissant
Me berce de sa belle histoire
Et malgré moi je voix y croire

Parlez-moi d'amour
Redites-moi des choses tendres
Votre beau discours
Mon cœur n'est pas las de l'entendre
Pourvu que toujours
Vous répétiez ces mots suprèmes:
"Je Vous aime"

Il est si doux mon cher trésor
D'être un peu fou
La vie est parfois trop amère
Si l'on ne croit pas aux chimères
Le chagrin est vite appaisé
Et se console d'un baiser
Du cœur on guéri la blessure
Par un serment qui le rassurre

Parlez-moi d'amour
Redites-moi des choses tendres
Votre beau discours
Mon cœur n'est pas las de l'entendre
Pourvu que toujours
Vous répétiez ces mots suprèmes:
"Je Vous aime"