Ontem à noite encontrei-me com Guilaine. Ao fim de 35 anos,
voltei a ver a minha amiga do tempo de adolescente. Reconheci-a logo embora se
apresentasse com um penteado diferente. Mas também eu tenho um penteado
diferente.
Naquele ano em que nos conhecemos, o meu primeiro ano de
liceu, usávamos ambas o cabelo comprido com risco ao meio e sem franja. Por
vezes prendíamos umas madeixas, na zona das têmporas, com uns ganchos de mola.
Tenho uma fotografia de nós as duas, assim penteadas, sentadas na relva com
livros abertos sobre os joelhos.
Era o nosso primeiro ano de liceu e o último que passei em
França. Éramos colegas de carteira em quase todas as disciplinas e aprendíamos
noções de latim e grego. Ainda hoje encontro velhos cadernos com rabiscos e
mensagens codificadas que trocávamos nas aulas. Escrevíamos os nomes dos nossos
amores com o alfabeto grego ou então com as alcunhas que lhes atribuíamos. Ela
era apaixonada por um rapaz que usava quase sempre uma pequena gravata sobre a
t-shirt de algodão. Chamávamos esse rapaz “Noeud-Coulant”. Era o nó de correr,
o nó de gravata.
A Guilaine tinha uma bonita caligrafia. Eu admirava a
regularidade do desenho das suas letras nos cadernos. Queria ser professora do
ensino básico. Formou-se para essa profissão. Soube-o pela correspondência que
ainda mantivemos durante alguns anos após o meu regresso a Portugal. Soube
também que a dada altura mudou de cidade. Depois o tempo foi passando e o
contacto perdeu-se. Esporadicamente lembrava-me dela, mas não tenho memória de
ter pensado na Guilaine recentemente. No entanto, sem saber porquê,
reencontrei-a na noite passada.
Naquele sonho eu reconheci a casa dela que nunca vi e toquei
à campainha. Logo ela apareceu e fizemos uma festa. Para além da casa que nunca
vi, do penteado que estava diferente, tive também a oportunidade de reconfirmar
que a Guilaine era dona de uma caligrafia exemplar.