segunda-feira, 8 de junho de 2020

Remelas


Aguardo a minha vez de ser atendida na dependência bancária. Tenho dois homens à minha frente, distâncias de segurança bem calculadas e máscaras no rosto. Lá dentro, ao balcão, em atendimento demorado, outro homem. Enquanto decorrem as operações, que implicam movimentação do funcionário, papéis para um lado, papéis para outro, fotocópias, consulta a colegas, o homem aguarda, remexe numa fina pasta de plástico verde e assina papéis. Pelo meio da atividade, baixa a máscara para coçar o nariz. Volta a colocá-lo no lugar e, de seguida, borrifa as mãos com um pequeno frasco que retira do bolso das calças. Um pouco mais tarde repete o ato, coçando desta vez o interior da boca. Volta a desinfetar as mãos, claramente atento a não contaminar o balcão de atendimento onde as apoia de seguida. Só não se lembra de se desinfetar antes de se coçar. Reparo também que um dos que aguarda a vez à minha frente colocou a máscara ao contrário, lado azul para dentro, tapando nariz e boca, mas com o queixo de fora. A espera promove a observação minuciosa dos comportamentos alheios e não vá eu também estar não conforme, olho-me de relance numa parede espelhada da agência para conferir da correta colocação da minha máscara. É que, como me dizia bastas vezes a minha mãe, só costumamos ver as remelas nos olhos dos outros.

32 comentários:

  1. Sou também muito observadora. Dizem-me, quem me conhece bem, que sou boa observadora em tudo. Discordo veementemente. Sou seletiva, observo os gestos, os maneirismos, a forma de falar das pessoas, o que dizem e o que deixam por dizer. Isto a propósito do que descreves que me fez rir. Fizeste uma descrição tão clara que associei a uma série de situações quanto ao uso das máscaras, não apenas nas pessoas que vejo no supermercado, no parque de estacionamento do mesmo e agora nos parques, mas também alguns políticos na televisão. Situações mesmo caricatas, como se a máscara fosse um bicho de sete cabeças.

    Procura o vídeo sobre o presidente da África do Sul e o Premier da província do Quebec. :))

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Curiosamente, Catarina (e Luísa), quem observa também é observado. ;)

      Eliminar
    2. Um grande inconveniente... por vezes! :)

      Eliminar
    3. Impossível não observar o(s) modo(s) de uso deste novo adereço, Catarina. :))

      Eliminar
    4. Pois AC, penso isso também no que toca à fotografia. Quando ando a passear por aí e a fotografar, incluindo, por vezes, pessoas na paisagem fotografada, penso se eu própria não estarei a ser motivo de algum outro fotógrafo. :))

      Eliminar
  2. Ah! A tua mãe tinha razão! Uma senhora muito sábia.
    :)

    ResponderEliminar
  3. Bom eu uso máscaras comunitárias feitas por mim. Ponho-a antes de sair de casa em frente do espelho na entrada. Só volto a retirá-la quando chego a casa e vai logo para lavar. Não me ajeito muito bem com as vulgares fazem-me muita comichão.
    E claro a sua mãe tem muita razão.
    Abraço e uma boa semana

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. De pano (caseiras/comunitárias) ou cirúrgicas, transporto-as numa bolsinha e costumo colocá-las depois de desinfetar as mãos como o frasquinho de alcool gel que sempre me acompanha. Nem sempre as uso na rua, só se começar a cruzar com muita gente...
      Bom domingo, Elvira!

      Eliminar
  4. Ouvia essa expressão à minha avó e à minha tia Belmira.
    Que tem um "cancioneiro" único.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O que ouvimos dos nossos familiares mais "antigos", sempre nos fica na memória, Pedro.

      Eliminar
  5. Muito bom! E tão verdade. Isto das máscaras tem a sua piada, pois cada um cria a sua própria forma única de a usar e perfeitamente convencido que o faz de forma adequada. Até agora a que mais vejo é mesma aqules que a usam com o nariz de fora :))

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Há para todos os gostos, ou talvez deva dizer desgostos. :)

      Eliminar
  6. todos armados mais ou menos em Zorro, Luísa!

    ResponderEliminar
  7. Uma sábia senhora a sua mãe. É que tinha, na minha modesta opinião, toda a razão. Reparamos que alguém tropeçou num palito, rimos da sua desgraça, quando temos na nossa frente um tronco (porventura invisível) onde tropeçamos tantas vezes... sem vontade de rir.
    .
    Votos de um dia feliz
    Cumprimentos poéticos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Verdade Rykardo. É sempre mais difícil ver os nossos próprios defeitos.

      Eliminar
  8. Aqui é: "só vês os ciscos nos olhos dos outros"...Todos temos as nossas falha e não adianta dizer-se que não. Ainda existem que a coloque e deixe o nariz de fora para respirar. Lool
    -
    Pele aveludada onde passeiam os sábios.

    Beijos e um excelente dia... :)

    ResponderEliminar
  9. Vamos lá então ao que importa, Luísa...e a senhora tua mãe tinha ( neste caso)razão quanto a essas tuas observações sobre a remela alheia, ou não? Que tal foi o veredito sobre a colocação da tua máscara? Viste bem? Estavas nos conformes? :))

    A minha, por vezes, como me embacia os óculos, ponho-a um bocado à banda. E, mal saio dos espaços fechados, penduro-a numa orelha...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O espelho devolveu-me a segurança de, pelo menos naquele momento, estar em conformidade, Janita. Também tenho esse problema dos óculos, mas desde que se ajuste bem aquele pequeno arame que as máscaras têm, e sobrepondo os óculos à máscara, já se aguenta razoavelmente bem.
      [Confesso já ter usado uma vez a máscara pendurada na orelha. Foi no percurso entre uma loja e outra, a conduzir, e quando já não aguentava de calor...]

      Eliminar
  10. Dizem que tudo vem da Bíblia e possivelmente é verdade. Não sou especialista (nem pouco mais ou menos!) mas fui pesquisar e encontrei esta citação de S. Mateus:

    "E porque vês o argueiro (cisco) no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?"

    E lembrei-me de a minha mãe às vezes dizer: só vemos o cisco nos olhos dos outros...
    A mãe da Luísa usaria talvez a versão algarvia :)
    E não dúvida que é uma grande verdade.

    Bons feriados, Luísa!
    🌻

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Se é versão algarvia, não sei, Maria, mas é isso mesmo que transcreve da Bíblia. :)
      Bom domingo!

      Eliminar
  11. Há remela em qualquer farpela, seja dele ou seja dela. :)

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Gostei deste seu texto. É vem verdade, temos que evitar ser sentenciosos, sobretudo porque estes rituais da máscara e de esfregar o gel nas mãos a toda a hora são uma boa trapalhada. No início, quando comecei a usar a máscara os óculos ficavam todos embaciados, não via nada e no supermercado deixava cair a fruta no chão e no momento de pagar os trocos voavam para o chão. Também por vezes, quando chego ao emprego e lavo as mãos com o gel e tenho tendência a limpar as mãos no rabo, que andou sentado sabe-se-lá por onde. Enfim, temos que levar tudo isto com algum humor.

      Eliminar
    2. É como diz, LuisY, uma trapalhada. Não é fácil adotar estes novos hábitos e vai não vai, metemos o pé na argola. :)

      Eliminar
  12. Também gosto de observar os outros e já vi de tudo um pouco no que toca a máscaras. O que se vê mais, são máscaras no queixo :)
    as não vejo apenas a remela dos outros, também vejo a minha, sou bastante auto crítica e consigo discernir quando não estou bem ataviada :) Por vezes não me importo eheh

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Lá está, GM, quem de não ainda não "pecou" à custa da máscara? :)

      Eliminar
  13. Estamos sempre a recapitular as regras e também vamos fazendo algumas asneiras...
    somos na verdade, os espelhos uns dos outros.

    ResponderEliminar