quarta-feira, 27 de novembro de 2019
terça-feira, 26 de novembro de 2019
Intermitências
Eu,
que ultimamente pouco devo à assiduidade no que toca a atualizar
este blog e que de regularidade também não me posso propriamente
gabar, fico sem grande legitimidade para aqui vir arrazoar sobre as
intermitências de blogs que tanto gosto de ler. Mas o facto é que
elas me inquietam. Há os que avisam e me deixam numa espera
sossegada. Se não avisam das ausências, quando dou por elas fico um
pouco preocupada mas tendo a achar que é coisa passageira e que, sem
que eu espere, um destes dias me surpreendem. E assim acontece. E
quando acontece de me saltar de novo à vista uma sua atualização,
é sempre uma boa surpresa, uma felicidade, mesmo que breve em certos
casos. Outros há que, de repente, fecham a janela (isto dos blogs
são mais janelas do que portas) e afixam uma tabuleta avisando que o
acesso é reservado. Aí a inquietação é maior. Fico sempre sem
saber se é uma forma de suspender o blog ou se é mesmo uma
restrição de leitores. Respeito, compreendo, aceito, mas
entristeço-me por não mais os poder ler.
domingo, 24 de novembro de 2019
Agora
Agora
que desenformei o bolo e que espero que arrefeça o suficiente para o
poder provar, agora que já recolhi a roupa que estava a secar lá
fora; agora que já fui colher um ramo de hortelã para aromatizar a
canja que há de confortar-me ao jantar; agora que não se anuncia
qualquer tarefa inadiável, agora que o dia está a declinar e que
até já fechei as persianas das janelas de casa, abro a janela das
histórias que se contam no blogobairro, exponho um passeio de
domingo e vou inteirar-me das novas que por aí se dão a ler.
terça-feira, 19 de novembro de 2019
Há metafísica bastante em não pensar em nada
(...)
Metafísica?
Que metafísica têm aquelas árvores
A
de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A
nós, que não sabemos dar por elas.
Mas
que melhor metafísica que a delas,
Que
é a de não saber para que vivem
Nem
saber que o não sabem?
(...)
Alberto Caeiro
domingo, 17 de novembro de 2019
A santa
No
corredor do leite, das natas e dos ovos, entra o moço, disparado da
via perpendicular, soltando um impropério daqueles que eu só
poderia aqui reproduzir cheio de símbolos e exclamações. Enquanto
escolhe e retira a embalagem de leite, eu aguardo para me dirigir à mesma prateleira e reparo que a santa que ele traz tatuada no gémeo
da perna olha para mim enrubescida.
quinta-feira, 14 de novembro de 2019
terça-feira, 12 de novembro de 2019
Amnésia
Todos
os dias penso que deveria comer menos. Esse pensamento ocorre
normalmente depois de já ter comido. Antes de encher o prato, costumo sofrer de amnésia seletiva.
segunda-feira, 11 de novembro de 2019
Isto não interessa nada
Era
para contar do estado do céu pelas dezassete horas e trinta e seis
minutos, quando conduzia na rotunda elevada da variante a Faro da
nacional cento e vinte cinco, das cores que tinha, das nuvens a
norte, da bruma que envolvia a lua cheia que já se destacava a
leste, das luzes da cidade e dos faróis dos carros que já se
acendiam. Mas isso não interessa nada.
Era
para contar da minha pressa em chegar a casa, em trocar a roupa de
trabalho pela do ginásio, em calçar as sapatilhas, em comer uma
mão-cheia de frutos secos, em sair rumo à aula de dança livre,
assim em português, tradução livre, só para não dizê-lo em
inglês como vem no programa. Mas isso não interessa nada.
Era
para contar dos ritmos loucos, das músicas que, como me dizia uma
das participantes na aula, nem gosto muito – algumas nada – de
ouvir habitualmente e que ali seguimos alegres, em saltitantes
coreografias, rebolando o ventre, agitando as ancas, elevando os
braços, sapateando convictas. Mas isso não interessa nada.
Era
para contar do regresso a casa, já noite erguida – erguida para
contrariar aquela cena da noite que cai – com a lua brilhando bem
alta e eu escorrendo em suor, de faces vermelhas que nem pimentos,
ansiosa pela água morna do chuveiro que dali a cinco minutos me vai
acolher e serenar. Mas isso não interessa nada.
Fico
assim, então, sem nada para contar.
terça-feira, 5 de novembro de 2019
às vezes basta
às vezes basta
uma palavra
uma flor ou apenas uma pétala
um sorriso
o voo rasante das gaivotas
não sentir e não me importar
uma colher de arroz-doce, mas com a parte da canela
o cheiro a mar
uma pinta na folha
o frio da pedra e o quente de uma respiração
o fumegar do café
importar-me com o teu sentir
o lápis de cor amarela, para pintar o sol
aqueles teus fios de música que fazem estremecer
uma impressão, mesmo que vaga, de felicidade
o ondulado negro
a lembrança sempre presente de ti
para a vida prosseguir
Isabel Pires
(a permanência da memória dos dias de sal, 2019)
segunda-feira, 4 de novembro de 2019
Viagem
Tinha
o lugar cinco, junto à janela, mas tive de me sentar no seis - até
ver, pensei, pois poderia entretanto chegar o seu ocupante – já
que o banco um, na frente, estava todo reclinado, anunciando a
intenção do passageiro que até já se aconchegava com uma almofada
de pescoço. Mal arrancou o autocarro, virou-se para mim o passageiro
do banco dois para me comunicar que ia baixar o seu encosto. A
sinhóra, se quisé, podji mudar-se qui o carro vai vazio. Nem
queria acreditar no que ouvia e nem queria acreditar na minha
incapacidade em lhe responder de imediato que bem podia ele mudar-se,
pois se o carro ia vazio para mim, não ia menos vazio para ele.
Ainda resmunguei qualquer coisa entre dentes e sentei-me uma fila
atrás, no banco onze. Na
paragem seguinte, entraram dois novos passageiros, ambos
desorientados quanto aos lugares que lhes cabiam. Já dominando a
geografia dos assentos da viatura, orientei a mulher para o treze
indicado no respetivo bilhete e ao rapaz de barba e bom ar, que
verifiquei ser o legítimo ocupante do seis, expliquei que estando o
seu lugar a servir de apoio ao banco da frente, pois que se sentasse
onde bem entendesse. Ficou logo ali, ao meu lado, no dez, apenas
com o corredor a manter entre
nós alguma distância
pessoal. Entretanto, no banco um ressonava-se a bom ressonar. O rapaz
de barba e bom ar manifestou simpatia, ofereceu-me dos seus
m&ms, que polidamente declinei, e encetou amena cavaqueira sobre
de onde vinha, para onde ia, de onde era, o que procurava, e o que
achava eu. E eu, já achava que me aguardavam três horas de viagem a
ter que dar atenção ininterrupta ao moço. Até que, aleluia,
arrumou o snack,
afastou-se da coxia para o lugar da janela e pegou no telemóvel.
Foi então que começou a ouvir-se, para além da estação de rádio
sintonizada pelo motorista do autocarro e
para além dos roncos sincopados do passageiro do banco um, as falas
transatlânticas que contavam a história de uma tal Josiane e de
uma tal Fabiana, novela de crimes, polícia, prisão e o escanbau.
domingo, 3 de novembro de 2019
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