Fora das minhas rotas habituais, em Monsaraz.
domingo, 30 de setembro de 2018
quinta-feira, 27 de setembro de 2018
Aurora
A
poesia não é voz – é uma inflexão.
Dizer,
diz tudo a prosa. No verso
nada
se acrescenta a nada, somente
um
jeito impalpável dá figura
ao
sonho de cada um, expectativa
das
formas por achar. No verso nasce
à
palavra uma verdade que não acha
entre
os escombros da prosa o seu caminho.
E
aos homens um sentido que não há
nos
gestos nem nas coisas:
voo
sem pássaro dentro
Adolfo
Casais Monteiro
terça-feira, 25 de setembro de 2018
domingo, 23 de setembro de 2018
sexta-feira, 21 de setembro de 2018
Astros
Astros - O movimento de certos astros não influencia apenas as marés. Também a frase.
A frase e o mar, afectados pela lua.
Gonçalo M. Tavares, Breves notas sobre Literatura-Bloom - dicionário literário - uma das muitas maneiras (definitivas) de fazer literatura, Relógio de Água, 2018.
A frase e o mar, afectados pela lua.
Gonçalo M. Tavares, Breves notas sobre Literatura-Bloom - dicionário literário - uma das muitas maneiras (definitivas) de fazer literatura, Relógio de Água, 2018.
Chapéus, curgetes e outros temas
Curgetes
Então,
mas e as curgetes… As curgetes. Tens que lá ir apanhar. Vai
apanhá-las se não elas ficam muito grandes. E, olha, há peras no
frigorífico.
Chapéu
Então
mas este chapéu é igual ao meu… Será que é o meu?
Olha
que aquela senhora é que o pôs aí! Pergunta à senhora.
Estava
na água, responde a senhora.
Sempre
é o meu, então.
Carne
Aquilo
era muita carne. Muito bem servido. Comemos até demais.
Onda
Vamos
à iágua? Cuidado com a onda! Eeeeeeeeeh!
Bolas
Olha
a bola de Berlim. Bola de Berlim. Bóoooliiiinha!
quinta-feira, 20 de setembro de 2018
terça-feira, 18 de setembro de 2018
domingo, 16 de setembro de 2018
Passeio de domingo (420)
Pelas arribas da minha costa algavia, aqui onde nem é bem sotavento, nem é bem barlavento, aqui no centro do meu mundo.
sexta-feira, 14 de setembro de 2018
Ficar bem na fotografia
Os
dias têm começado com aquela neblina que dilui o horizonte e aos
poucos se vai evaporando sob o efeito do sol que, embora mais
contido, não deixa de se mostrar implacável. O mar anda manso e
morno, para meu contentamento. Meu e dos veraneantes que se deixaram
ficar para o fim aproveitando o espaço livre no areal e a baixa
notória dos decibéis que andam no ar. Casais de meia-idade ou a
caminho da terceira, como o casal verde que chegou à minha frente.
Verdes os calções dele, verde o vestido dela, verde a mochila,
serventia dos dois. Casais jovens também, com crianças abaixo dos
cinco, como o dos rapazinhos loiros da mãe de selfie-stick colado à
mão direita. Instalados a poucos metros de mim, só dei
verdadeiramente por eles quando já se ocupavam à beira-mar. Os
meninos saltitando, o pai olhando, a mãe fotografando-se. A
mãe fotografando-se. A mãe fotografando-se. A mãe fotografando-se.
De pé, de costas para o mar. De lado, ombro esquerdo ajeitado, anca
esquerda ligeiramente elevada. De joelhos na água da rebentação,
cabeça inclinada para trás, cabeça reclinada para o lado, cabelos
sacudidos pela brisa. Deitada de barriga para baixo, joelhos
fletidos, pezinhos no ar. De novo de pé. Braço em riste, alongado
pelo pau que suporta o telefone na extremidade, cuidando de evitar
alguns salpicos. Distraio-me dela mergulhando nas páginas do livro.
Viradas uma vinte, torno a olhar o mar e lá está a mãe
fotografando-se. A mãe fotografando-se. A mãe fotografando-se.
Repete as posições. Perto de uma hora deve ter passado. De vez em
quando, passa em revista as fotografias já tiradas, apaga algumas
menos conseguidas, presumo eu, e volta à sessão. Em algum momento
há de ficar bem na fotografia.
quarta-feira, 12 de setembro de 2018
Rolamentos e outras peças
Há
meses que a máquina de lavar roupa se queixava. A cada lavagem subia
o tom dos gritos que dava. Rodava o tambor e
tromtromtromtromtromtromtrom troava ela sem descanso. Os rolamentos,
diziam-me. São os rolamentos.
Há
semanas que eu tinha ligado para o senhor das máquinas. Que sim, que
viria, mas me ligaria ou eu a ele de novo já que andava muito
ocupado. Eu, agora em descanso de fim de verão, liguei de novo, que
estava por casa, que facilitaria. Que sim, combinou o senhor das
máquinas. Para hoje. E cumpriu. Pouco passava das nove, estava já
em ação, desaparafusando, rodando, retirando peças. Eu satisfeita, apenas
me atrasaria um pouco a manhã de praia. Uma hora passada, se faz
favor, clama o senhor das máquinas. Atiro o livro para o lado,
pequena corrida corredor adentro, quanto é que ele me vai cobrar?
Afinal não, ainda não acabou. Com muita calma, explica o senhor
das máquinas o mal da minha. Até era só um dos rolamentos que
estava gasto, o outro, como vê, está novinho ainda. O problema é o
retentor que está danificado. Rolamento até tinha para substituição
mas o retentor tinha que ver, com eles, se havia disponível naquela
medida. E parece que agora há mais medidas do que antigamente. Ia
ver, ia ver com eles. De tarde viria concluir o trabalho ou, na falta
do retentor, me telefonaria.
Ao
final da manhã, a praia ainda estava no mesmo sítio, menos mal para
quem quer aproveitar o bom tempo que faz. Lá fui. Agora, já a tarde
vai a meio e no mesmo sítio está também a minha máquina de lavar.
Totalmente desmontada, tambor de fora, parafusos em espera, um puzzle
em construção e um enigma por resolver. Voltará hoje o senhor das
máquinas?
terça-feira, 11 de setembro de 2018
Ao sol
Ao
contrário do que costumo fazer, coloquei o guarda-sol o mais atrás
que que consegui. Escolho sempre a linha da frente, ali onde a areia
seca faz fronteira com a areia molhada, assegurando-me de que ninguém
me tira a vista sobre o horizonte e a rebentação das ondas, coisa
que nem sempre se vem a comprovar já que, depois de mim, outros
chegam com a mesma ideia e nem se importam do maior esforço que
precisam ter para enterrar o pau da sombrinha. Hoje, escolhi ficar de
observadora de todos quantos chegassem depois. Atrás de mim só a
barraca de apoio dos nadadores-salvadores, erguida sobre um pequeno
morro, a oeste do restaurante da praia. Para dizer a verdade, a opção
do lugar deveu-se sobretudo à vontade de querer ficar num recanto
que me pareceu mais abrigado do vento leve que soprava naquele
momento. Tenho sempre receio de que uma rajada mais forte me vire a
sombra e me obrigue a correr atrás de um potencial desastre.
Verifiquei depois que foi receio infundado. O vento não soprou mais,
não precisei sequer de segurar no chapéu de sol, as mãos
totalmente livres para virar as páginas da história que foi comigo
para a praia. Acabei por não observar, como pensei que faria, os
veraneantes que depois de mim foram chegando. Reparei, no entanto, no
homem que tinha uma cadeira sem sombra, três a quatro metros à
minha direita. Do excessivo sol que já tinha apanhado, ostentava um
forte bronzeado cor de vinho. Interpretei-o nórdico, pelo tom do
cabelo e pelo branco translúcido que imaginei para a pele escondida
sob os calções de banho.
segunda-feira, 10 de setembro de 2018
O jantar
Na
mesa do lado, dois casais de meia idade recebem as suas quatro
canecas de cerveja gelada e a travessa de camarões. A mulher de
cabelo escuro, ajeita o telemóvel para fotografar o repasto, mas
desajeita a mão e cai-lhe o aparelho sobre os dois camarões que já
lhe enfeitavam o prato. Pobre bicho. Nada que a demova. Retoma o
processo e conclui a publicação na rede social de cabeçalho azul.
Agora sim, já pode comer descansada. Por pouco tempo, porém. É que
chega à mesa a feijoada de lingueirão e como poderia ela deixar de
registar o momento? Ficará o telefone marcado com dedadas e
cheirando a marisco, mas que importa isso face à imprescindível
publicação do prato principal do repasto? Entre uma e outra
garfada, aproveita também para mostrar à mulher de cabelo claro as
fotografias do neto que se alinham na galeria do telemóvel. É o
equivalente ao álbum das fotografias de papel que noutro tempo se
mostraria aos amigos, com o jantar já terminado, eventualmente
bebericando um café na sala de estar. O álbum é agora digital, vai
de férias com a família e acompanha-a à mesa do restaurante. Duas
mesas atrás, e com duas crianças pequenas, janta outra família. Aí
não se pousam telemóveis nem tablets sobre a mesa. A menina da
chucha entretém-se com um pedacinho de pão. De vez em quanto
aborrece-se e grita aumentando o nível de ruído já de si elevado
do restaurante. Olho para ela e sorrio. O melhor do mundo,
confirma-se, são as crianças.
domingo, 9 de setembro de 2018
O caminho
Peut-on
aller par lá?
Oui.
As
veredas são sinuosas e do alto da falésia, entre pinheiros e
estevas, os dois caminhantes estão indecisos. O meu sim conforta-os
e seguem mais confiantes. Um pouco atrás, ainda em esforço, na
subida, aproximam-se as companheiras. Os quatro acreditam agora que
este é, afinal, um caminho com saída.
terça-feira, 4 de setembro de 2018
A língua
(..) provavelmente a língua é que vai escolhendo os escritores de que precisa, serve-se deles para que exprimam uma parte pequena do que é, quando a língua tiver dito tudo, e calado, sempre quero ver como iremos nós viver. (...)
José Saramago, O ano da morte de Ricardo Reis.
segunda-feira, 3 de setembro de 2018
Setembro
Estão
quatro pombas a descansar no cabo da eletricidade. É um cabo
esticado entre dois candeeiros públicos, um em frente de casa, lado
sul, outro nas traseiras, noroeste. Cada um na sua rua. São as duas
ruas perpendiculares que delimitam o meu espaço e que observo
enquanto me debruço sobre o muro de vedação. O vento agita as
árvores e faz balancear o cabo. Estremecem levemente as penas das
pombas que se aguentam em síncrono equilíbrio. Reparo no ramo
quebrado de uma alfarrobeira, nos estilhaços de um prato que alguém
atirou para a berma da estrada, nos destroços que ficaram junto ao
contentor do lixo. O céu conseguiu ficar azul, contrariando a
intenção do dia quando amanheceu, mas nem assim dissipou a
melancolia que se agarrou aos troncos das árvores, que atapetou o
asfalto, que se entranhou nos telhados. Volto a olhar para as pombas.
Voaram e nem dei por isso. Recolho-me ao telheiro com o meu livro de
capa amarela, a música de fundo a cargo dos espanta-espíritos.
domingo, 2 de setembro de 2018
Passeio de domingo (418)
Sem me poder ausentar de casa, por razões familiares, passei rapidamente a objetiva por detalhes e bicharada da horta que se encontra aqui mesmo à vista.
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