domingo, 27 de outubro de 2019

Cemitério


A mulher de olhos lacrimosos rega as flores que já murcham no vaso e fala comigo enquanto, a três ou quatro campas de distância, eu esfrego a pedra mármore que cobre o restos mortais da minha mãe. Faz falta que olhemos por eles, diz-me, como se os que já partiram ainda precisassem de nós. Chora o marido que a deixou de repente. Chora a avó que está ali, debaixo daquele chão. Esta já aqui está há 80 anos, a minha idade, informa-me, embora não tenha chegado a conhecê-la, venho cá sempre. Conta-me de uns sobrinhos que já não sabem onde ficou sepultado não sei que familiar e lamenta-se por esse descuido. Tento animá-la, nem todos sentimos de igual modo a dor de perder entres queridos. O mais certo é eles não precisarem mesmo que nos lembremos deles. Nós é que precisamos de alimentar a sua memória, de nos mantermos ligados à ideia da sua existência, como forma de legitimar a nossa. Uma prova de que continuamos vivos.

2 comentários:

  1. E nesta altura do ano... tudo fica mais sofredor!!! Bj

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  2. É verdade, eles já não precisam de nós. Mas nós ainda precisamos deles. Alguns de nós. Outros nem por isso. Cada um é um.

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