Já
tinha notado que algo estranho se passava com a tecla Esc do meu
computador. Uma espécie de poeira muito leve rodeava-lhe a base e
uns fios brilhantes espalhavam-se uma ou outra vez até à carreira
das teclas eFes, ou, em sentido contrário, até à da tabulação.
Com
um sopro, as pontas dos dedos ou um pano do pó eliminava estes
sinais sem lhes atribuir especial importância até que ontem, ao
carregar na tecla Esc para reanimar o monitor que, durante uma pausa
mais prolongada da minha atividade, se tinha apagado em modo poupança
de energia, pareceu-me ouvir um lamento. Olhei com mais atenção e
percebi que, no retorno da tecla à sua posição de descanso,
escapava-se para debaixo dela uma pequena aranha.
Resolvi
chamá-la. Pssssst, sai daí. Não temas, sai daí. Ainda a medo, foi
colocando pata ante pata sobre o teclado parando estre o Esc e o F1.
Era Milú, a aranha sem-abrigo.
Contou-me
que nos finais do ano passado, durante sete dias e sete noites,
ventos estranhos e quentes sopraram sobre o navio onde estava
passando as férias natalícias. Sob o efeito daqueles ventos
misteriosos toda a tripulação caiu num sono profundo. Nem as
trovoadas que se seguiram ao curioso evento foram capazes acordar
aquela gente que, seguramente até hoje se mantém inanimada.
Antes
da bizarra ocorrência, testemunhou ainda o dramático sequestro da sua capitã, atingida no peito por uma seta de amor e levada para
parte incerta.
Naquelas
tristes circunstâncias, Milú resolveu ir ao encontro da sua tutora Flor de quem também já tinha saudades. Meteu-se à estrada,
escolhendo as bermas com mais vegetação para se abrigar. Seguiu por
atalhos para mais depressa chegar à casa das palavras. Lá,
estranhou o silêncio e a porta aberta. Entrou, percorreu os recantos
onde tinha sido feliz, chamou, mas ninguém atendeu. A casa parecia
abandonada. Ainda por lá ficou umas semanas, mas o peso da solidão
tornou-se-lhe insuportável. Fez-se de novo à estrada e agora
percorre as ruas do blogobairro, procurando abrigo aqui e ali, na
expectativa de um feliz acaso que a faça reencontrar as suas duas
guardiãs. Por estes dias abriga-se à esquina de uma tecla.
Que bonito da tua parte, Luísa! Tomara que a capitã enamorada e a tutora da pequena Milú te venham ler e voltem a estes caminhos. Entrementes, pode ser que a aranhita se encaminhe para a casa semi-abandonada do cigano maltês e lhe dê novo alento. Ele está a precisar, tanto quanto ela, a aranhita perdida...:)
ResponderEliminarBeijinho.
Tomara sim, Janita, que voltem ao ativo. A Milú, coitadadita, anda tão tristonha.
Eliminar:)
O cigano era moço para a animar, não tenho dúvidas. :)
garanto que, se chegue a uma das minhas teclas, não a mato como faço a todas as aranhas que ousem passar a porta sem convite.
ResponderEliminarMas até acredito que ela fique por aí, está em boa companhia.
Esta é uma aranha de estimação, bea. :))
EliminarAhahahhaha!!! Minha querida Luísa, gosto tanto de si. Trate me bem da miúda, que eu um dia destes volto :)
ResponderEliminarUm abraço forte.
E eu da flor! Volte depressa, sim?
Eliminar:)
O voo de uma ave *lá dessas*, nunca deixa rasto... a não ser no céu, ou, talvez, numa manta de retalhos.
ResponderEliminarObrigada, luisa, por ambas.
Seja lá no que for, Teresa. O que interessa é voar.
EliminarQue história bonita!
ResponderEliminarAbraço e bom fim-de-semana
Uma brincadeira em jeito de chamamento, Elvira.
EliminarObrigada.
Piratas são mesmo assim, de vez em quando apanham um navio e parece que se foram...mas esperemos que outro navio qualquer a traga de volta. Quanto às flores, costumam aparecer na Primavera:)
ResponderEliminar~CC~
E a primavera está quase aí... Vamos esperar confiantes, CC.
ResponderEliminar:)
Da minha tão humilde quanto sincera perspectiva, isto é pura literatura, algures entre o real e o fictício.
ResponderEliminarDa minha parte, há uns meses atrás derrubei a teia dum aracnídeo suspensa no tecto cá de casa. Sendo que segundos após tê-lo feito me arrependi do mesmo, pois que a teia estava num recanto pouco visível, ao que se adicionou eu ter pensado: mas uma teia de aracnídeo acaba sendo o mais natural dos insecticidas. Daí que se voltar a ver teia no mesmo local ou em local equivalente cá em casa, vou deixá-la ficar, a menos que a mesma cresça desmesuradamente e/ou se torne de facto incomoda _ em qualquer caso e como pior das hipóteses, à imagem e semelhança do que já faço com múltiplas outras formas de vida, se for o caso procuro apanhar o aracnídeo vivo e transportá-lo para paragens mais seguras, em que não incomode demasiadamente a humanidade e nem deixe de ter possibilidade de encontrar alimento, pois quem sou eu para julgar e decidir sobre a vida alheia, salvo se tendo de legitimamente defender a minha própria vida face à vida alheia, humana ou extra humana.
Que exceptuando esta minha última alusão própria, o por si só literato texto da Luísa é exemplo prático do que faz sentir imenso prazer de ser seguidor de "À Esquina da Tecla", aqui para o caso com dita "esquina" enriquecida pela, tecedeira, presença da Milú! :)
Parabéns e obrigado pela excelência
Boa semana
VB
...se acaso peço perdão por alguma falha linguística mais grosseira, como ao ter-me esquecido do "me" em: ...exemplo prático do que "me" faz sentir...; e já agora a minha alusão à excelência da Luísa é extensível a suas pretéritas postagens (escritas e/ou fotográficas), mais recentes ou mais remotas, mas de momento com especial ênfase para as mais recentes, que na minha última ausência daqui fui perdendo a seu devido tempo e agora recuperei numa rápida visita às mesmas.
EliminarNão há aqui grande literatura, Victor. :) Isto é apenas uma brincadeira tentando chamar de volta às lides duas "blogueiras" que aprecio muito e que têm estado em pausa. A Milú faz parte das suas histórias.
ResponderEliminarObrigada pela gentileza de sempre.
Talvez os ventos as tragam de volta e nos entretantos Milú está bem guardada não é?
ResponderEliminarBjs
Está sim, GM. Ainda há pouco aconchegou-se junto à tecla. Acho que já dorme, até. :))
ResponderEliminarObrigada Luísa por chamar alguém de quem gosto tanto à razão. Obrigada Flor por voltares e me dares a conhecer a Luísa.
ResponderEliminarOlá Be. Ainda bem que a Flor está de volta. Desconfio que a Milú já anda a fazer as malas para retornar a casa. :))
ResponderEliminarLuisa
ResponderEliminarGostei desta história, em que a protagonista, uma pequena aranha, tem o nome de uma antiga estrela de cinema portuguesa. Decididamente, pode fazer uma sequela da história, pois esta Milú promete fazer uma bela carreia aqui no seu blog
LuisY, as minhas desculpas por tanto atraso na resposta ao seu comentário, mas tenho andado afastada do blogobairro. A Milú apenas se hospedou por algum tempo aqui na esquina. Na verdade ela costuma viver com a Flor e passa algumas temporadas com a pirata Cuca (ficará a conhecê-las seguindo os links no texto), embora a pirata ande mesmo desaparecida. :)
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