sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Amor e óleo de côco

Aparentam estar a meio caminho entre os cinquenta e os sessenta anos. Chegam com um guarda-sol que ela planta no areal enquanto ele pousa duas cadeiras de praia vermelhas e dois sacos cor de laranja com palavras de verão inscritas na lona. Despem a túnica e a t-shirt que acomodam nos varais da sombrinha e caminham de mãos dadas até ao mar. O biquíni dela mostra metade das nádegas, assemelhando-se a um estreito folhinho preso na anca. À volta sobram outros folhos de pele já bronzeada.
Depois do banho de mar, regressam à sombrinha. É ela quem estende as toalhas lado a lado. É ela que retira a leitura dos sacos. Entrega-lhe o Correio da Manhã que ele, já deitado, começa a folhear. Para ela sai, do saco para cima da toalha, o Caim de Saramago. Agarra ainda numa bolsa de plástico transparente da qual retira dois frascos de óleo bronzeador. Pega num deles e, de joelhos, junto ao homem, começa a untá-lo meticulosamente enquanto ele continua a ler o jornal. Arregaça-lhe as pernas do calção para que mais um palmo de coxa possa também dourar ao sol. Espalha o óleo com total dedicação, desde o rosto até aos pés do seu amor. Ele mantém-se firme na leitura.
A brisa leva o cheiro doce do óleo até à vizinhança enquanto ela troca de frasco e enceta novo processo de aplicação em si própria.
O sol reflete-se no brilho gorduroso dos dois corpos deitados lado a lado. O Caim descansa também junto a ela.
Quando ele se vira de barriga para baixo e se acomoda na continuidade da leitura ela está alerta. De imediato se levanta, pega no óleo dele e acaba a tarefa antes iniciada, espalhando novo brilho pelas costas do amado.
O sol aquece agora a pique e eu, aqui de trás, juraria que o óleo de côco começa a borbulhar-lhes sobre a pele.

13 comentários:

  1. Uau, grande texto, Luísa!
    Ainda bem que as palavras deixaram de estar de férias. :)

    Beijo

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  2. Até consigo imaginar o óleo a ferver... :-o

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  3. Nada como um cheirinho a coco para despertar essas palavras. E que bem despertaram, com esta cena magnificamente retratada. Vejo-a perfeitamente a acontecer à minha frente, à medida que leio o teu texto. Muito Bom.
    Rog.

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  4. Aí é que é. Só falta mesmo a cabana.

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  5. Eheheh, o amor é lindo! Em todas as idades! :)))

    Esses óleos é que são dispensáveis, que além de serem oleosos e pegajosos, por vezes ainda têm um cheiro forte e enjoativo. Antes um niveazito... :)

    Beijocas!

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  6. Mas, do meu ponto de vista... faltou ele pôr a ela, o óleo nas costas, para ser amor... pois o resto lembra-me, apenas, o antigo papel da mulher. Isto nem é uma crítica... as coisas, não há muito tempo, é que eram assim.
    Apesar dos tempos estarem muito mudados, ainda há muitos casais em que a vida da mulher parece servir para satisfazer as necessidades do marido, não há partilha de tarefas nem retorno da parte dele e ela está sempre ocupada a fazer aquelas coisitas em que, ele, mais parece um ser incapaz ou pensar que tem um direito divino para certas mordomias...
    É estranho, mas desde miúda, um tempo em que mais frequentemente se podiam observar estas situações até pensava se, quando casasse, tinha que passar a ser empregada do marido ;)

    Bjos

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  7. Ah... o amor não tem idade!
    Pergunta: ele também espalhou o óleo no corpo dela com essa mesma dedicação?!

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  8. Respondendo à Isa e à Catarina... pois aí é que está, ele não retribuiu. Apenas leu o seu jornal.

    Teté,
    Também prefiro o protetor solar em vez do bronzeador.

    El Matador,
    Tinham a sombrinha...

    Anouc, AC, Gi, Rog e Vítor,
    Obrigada pelas apreciações :))

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  9. Querida Luisa, esta mor é unilateral, no que ao óleo de côco, diz respeito!! Mas gostei muito desta tua descrição que se aplica, afinal, a toda a gente: ;)
    Beijinhos e bom domingo.

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  10. muito bom, até senti o cheiro do oleo de côco :)

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  11. Essa parte não me escapou... ;)

    Bjos

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