sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Lurdes

 

O espaço de areia seca na praia ficou mais curto, obra das marés vivas de setembro, acredito que desafiadas pela lua, que já por aí anda cheia. Os banhistas ainda vêm em número apreciável e Lurdes aproximou-se do espaço aberto pela minha mudança de lugar ao sol para lugar à sombra. Foi logo falando como se nos conhecesse, não lhe apetecia caminhar para mais adiante, que a desculpássemos, até nem gostava muito de ficar assim em cima das pessoas. Apoiava-se num pequena sombrinha que, entretanto, pousou aberta no areal, presa ao saco dos seus outros pertences. Estendeu o pano fino que trazia em jeito de toalha, opção mais leve e ajustada ao seu corpo ao mesmo tempo forte e frágil, onde muito mais de 80 anos de vida certamente ancoravam. O louro platinado dos cabelos contrastava com o azul arroxeado dos seus óculos de sol, e animada pelo que me pareceu a verdadeira força da vida e uma vontade indómita de a manter longa, desatou a conversar, relatando as suas histórias, trazendo um rol infindável de personagens, filhos, netos, o marido falecido, a empregada, os amigos, os vizinhos, a menina que a desenhou com asas de anjo, o almoço que deu na semana passada, a decoração provençal da mesa, a louça de barro, a casa grande de férias que vendeu, a pequena que usa agora, o assalto que sofreu no comboio, o regresso a Lisboa na próxima semana. Enquanto dávamos por finda a nossa manhã de praia, Lurdes caminhou até ao mar. Ainda ia ficar até às duas.

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