Na clínica, aos acompanhantes está agora reservada, como sala de espera, a rua. O sol das nove da manhã já se mostra impiedoso e procuro por isso um poiso à sombra. O rebordo lajeado do muro que contém um projeto de jardim serve-me de assento e ali fico, solitária, fotografando com o telemóvel os pés calçados de sabrinas vermelhas, para entreter o tempo, até que se aproxima a acompanhante do doente que entrou entretanto. Mede a distância, sacode com a mão alguma poeira solta no poial e senta-se mais ou menos a metro e meio da minha saia. Mantém a máscara, visivelmente usada para além do recomendável, e dá início ao rol de lamentações associadas aos efeitos da pandemia. Os correios não funcionam, anda tudo atrasado, tanto que as faturas da luz e da água já chegam fora do prazo de pagamento. Vê-se obrigada a ir para as filas, longas e espaçadas, para a resolução presencial das dívidas. Suspira questionando-se sobre o fim deste mal que nos assola, sobre uma data para a respetiva vacina, sobre um tratamento definitivo cuja demora lastima. Eu já não tenho idade, prossegue, está visto que terei de viver o resto dos meus dias com o rosto embuçado.
Não foram somente fotografadas as sabrinas vermelhas, o retrato emocional da desgostosa senhora ficou bem explícito.
ResponderEliminarEnquanto não for obrigatório, a mim não me verão embuçada na rua.
Boa noite, Luísa!
Até já uso máscara na rua, Janita. Nem sempre, mas se me parece que me vou cruzar de perto com demasiadas pessoas ou se estou a entrar sucessivamente em várias lojas, acabo por mantê-la.
EliminarSaio de casa com ela enfiada - não na orelha porque já perdi várias assim - no braço a fazer de pulseira, se lobrigo gente de quem me não consigo desviar, coloco-a, e, novamente, quando entro no supermercado ou qualquer outro estabelecimento. No carro, nunca. Com a respiração filtrada, mal consigo respirar. Fico ofegante. :(
EliminarEu ter-lhe-ia lembrado que os médicos e as enfermeiras, em salas de cirurgia, andam embuçados horas e horas há anos e anos sem reclamar!! E que agora usam o “embuço” todos os dias.
ResponderEliminarNo outro dia, cheguei a casa cheia de calor. Não me tinha sentido bem no supermercado. A máscara que tinha escolhido era demasiado quente. Quando cheguei a casa o meu vizinho estava a entrar no carro e eu ainda tive tempo de me queixar da máscara, sem lhe explicar, todavia, que me tinha sentido mal. Eu nunca reclamei sobre as máscaras!! Mas neste dia... E ele disse-me: “E a A. (sua mulher e enfermeira) que usa duas máscaras, mais a viseira, durante horas e horas?! Não sinto empatia...” Nem o deixei acabar... admiti logo que tinha precipitada e a razão de ter perdido a calma habitual... : )))))
É mesmo, Catarina. Penso muitas vezes nisso. Como é que os profissionais de saúde aguentam?
Eliminar:)
Macau (MUST) está a desenvolver uma vacina.
ResponderEliminarE conta testá-la já no próximo mês.
Pedro, espero que apareçam muitas (e que não nos façam mal)! E que se concretize o ditado de que não há fome que não dê em fartura
EliminarVacinas, tratamentos, o que for. Venha!
EliminarRealmente isto está tudo num caus! Gostei de a ler!:/
ResponderEliminar***
Ciclos constantes ...
Beijo e um excelente Dia
Vida difícil, né? :)
Eliminarpelo que lemos a Luísa não tinha os ouvidos embuçados (ainda não chegámos a isso) e transmitiu muito bem o desalento da senhora da "sala de espera" naturalmente ventilada
ResponderEliminarpelo sol da manhã!
abracinho
Nada como o ar livre, Ângela. :)
EliminarFaz lembrar um fado!
ResponderEliminarAbraço
O fado do covid... :)
EliminarRetrato de um país em pandemia.
ResponderEliminarDesabafos de quem não busca respostas, quer apenas ser ouvida. E, Luísa, tu ouviste-a bem!
Só uso máscara em locais públicos fechados. E sinto-me sempre sufocar. Odeio!
Beijo.
Uma pessoa acaba por se habituar, Teresa. Embora haja máscaras mais difíceis de suportar com o calor.
Eliminar:)
e até que ponto a dita senhora não terá razão.
ResponderEliminarEsperemos que não, bea. Esperemos que a ciência consiga dar conta disto.
EliminarEste espírito de lamúria e desgraça também não leva a nada. Mas é um espírito muito português e em que muita gente assenta arraiais.
ResponderEliminarA máscara é desagradável, é certo. Mas usando com consciência e moderação, tolera-se. Até ao dia em que tudo isto será ultrapassado e alegremente a mandaremos "voar"!
Temos que acreditar que será assim!
Mal de nós se não acreditarmos, Dulce.
EliminarLonge vão os acordes do fado "O embuçado", completamente fora de contexto.
ResponderEliminarUm bom fds, Luísa! :)
Outros acordes nos acompanham por estes dias, AC.
EliminarBom domingo!