Em Vilamoura, nas cercanias de um campo de golfe.
Salve tu
que buscas
no horizonte azul
do mar
os olhos castanhos
da tua musa
Salve tu
que escreves
em obscuro
código de luz
o nome
da tua amada
Salve tu
que desafias
o leitor
a desencriptar
o mistério
das palavras
Salve, tu
poeta
Depois de duas semanas sem praticamente passar por aqui e de escassa leitura de blogs, vou tentando atualizar-me. Num circuito meio errático pelo blogobairro, descubro as histórias da Prima Odete. Todas imperdíveis.
A Mia é muito linda, diz a mãe à pequena que segue à sua frente no passadiço da praia e que, no seu palmo e meio de gente, responde repetidamente: a mais linda.
Enquanto aguardo a minha vez na fila para a caixa do supermercado, a mulher que se postou mesmo atrás de mim passa, de repente, para o meu lado direito e inclina a cabeça olhando-me fixamente durante intermináveis segundos. Já inquieta por tão demorada observação, com os mecanismos de defesa pessoal a colocarem-se instintivamente a postos para agir, respostas iminentes na ponta da língua, prontas a disparar face a qualquer ataque verbal do inimigo, ouço-a finalmente perguntar-me: é a irmã da Dona Fernanda? De imediato me baixam os níveis de adrenalina e, com o meu mais amável sorriso, só visível nos cantos do olhos, desfaço-lhe o engano: não, não sou.
Na clínica, aos acompanhantes está agora reservada, como sala de espera, a rua. O sol das nove da manhã já se mostra impiedoso e procuro por isso um poiso à sombra. O rebordo lajeado do muro que contém um projeto de jardim serve-me de assento e ali fico, solitária, fotografando com o telemóvel os pés calçados de sabrinas vermelhas, para entreter o tempo, até que se aproxima a acompanhante do doente que entrou entretanto. Mede a distância, sacode com a mão alguma poeira solta no poial e senta-se mais ou menos a metro e meio da minha saia. Mantém a máscara, visivelmente usada para além do recomendável, e dá início ao rol de lamentações associadas aos efeitos da pandemia. Os correios não funcionam, anda tudo atrasado, tanto que as faturas da luz e da água já chegam fora do prazo de pagamento. Vê-se obrigada a ir para as filas, longas e espaçadas, para a resolução presencial das dívidas. Suspira questionando-se sobre o fim deste mal que nos assola, sobre uma data para a respetiva vacina, sobre um tratamento definitivo cuja demora lastima. Eu já não tenho idade, prossegue, está visto que terei de viver o resto dos meus dias com o rosto embuçado.
Este foi um ano perdido, diz a mulher que almoça na mesa mais próxima da minha. A cinco meses do fim, 2020 parece não ter qualquer salvação.