Vilamoura monocromática.
(...) A poesia se calhar não tem nada a ver com a literatura, tem mais a ver com os feiticeiros e a bruxaria. É um mundo completamente diferente. Não é que eu não faça versos quando é preciso. (...). Mas fazer versos é uma coisa diferente de fazer poemas. (...)
Mário de Carvalho
[entrevista na Rodapé -Revista da Biblioteca Municipal de Beja, nº11, 2003]
Mini passeio ao final da tarde, para cumprir calendário e fazer mexer o blog ao menos uma vez por semana.
Hoje estavam exatamente no mesmo sítio de ontem, exatamente na mesma posição de ontem, exatamente à mesma hora de ontem, quando os vi abraçados, a cabeça dela aninhada entre o ombro e o pescoço dele, alheios ao trânsito da estrada nacional. Prevejo, para amanhã, a repetição da cena, que observarei por segundos ao contornar a rotunda e passar mesmo junto à paragem do autocarro.
Uma flor ou um bicho,
talvez um aranhiço,
o esqueleto do malmequer
ou
outra coisa qualquer.
Depende da perceção.
A verdade aqui não reza,
a cada um sua escolha
no jogo da ilusão.
Ontem, cá em casa, a propósito de alguns quadros que moram nas minhas paredes, perguntavam-me se o seu autor já tinha morrido. Eu, que não, e que faria 100 anos já em dezembro próximo. A minha feliz ignorância desfez-se hoje pela manhã quando, já no carro, me chegou pelo rádio a notícia. Morreu Cruzeiro Seixas, o poeta, o homem que pintava, uma das grandes referências do surrealismo português.
Qual é a receita
quais os ingredientes
as quantidades
a medida certa?
Diz-me tu desse teu tempero
da secreta substância
a que nada se iguala.
Quanto tempo é preciso
de preparação, de maturação?
Quanto tempo é preciso
em ebulição?
E da temperatura
para a cozedura
se em fogo lento
ou em chama ardente.
Diz-me da essência
com que aromatizas
a forma onde vertes
todas as palavras.
Diz-me tu, que sabes
aqui entre nós
à boca pequena
qual é o segredo
para um poema?
No roupeiro, continua tudo na mesma. Entrou novembro e o que vale é o sol que ainda me deixa passar o fim de semana de manga curta. Estava pensado e inscrito na lista de tarefas: fazer a troca sazonal da roupa, guardar a mais leve, libertar os agasalhos. O detalhe é que a lista era longa e a ordem de prioridades volúvel. Já não será desta. Onze metros lineares de canteiro na bordadura de casa com daninhas por arrancar, dois quartos em fim de quarentena por arrumar depois da saída dos respetivos hóspedes, e já lá vão meia dúzia de máquinas a 60º, a barrela habitual, a ida ao cemitério, as compras da semana, a arrumação das gavetas da cozinha pondo fim a uma eterna guerra de talheres, os tachos ao lume, a loiça na máquina. Se calhar vou mas é beber um copo de água antes de recolher a roupa que tenho na corda.