No
metro, a moça que estava sentada na fila de bancos oposta à minha
tinha uma tatuagem na perna. Vestia calções brancos, curtos, e as
palavras, inscritas em letra serifada, estendiam-se da coxa até
próximo do tornozelo. Eram como uma fita, das que agora se usam
sobre a costura externa das calças, que a sublinhava de alto a
baixo.
Uma
tatuagem é como um anúncio. Desperta inevitavelmente a atenção,
queremos perceber do que trata. Mas uma tatuagem é parte do corpo de
alguém e mesmo exposta, como a da perna da moça dos calções
brancos, releva de alguma intimidade e há uma certa reserva que nos
detém, que nos refreia o olhar.
Ali
estavam, pois, uma série de palavras, artisticamente desenhadas numa
fonte old english, e eu a tentar lê-las disfarçadamente. A coxa
dava início à frase com o impossível
e, até pela horizontalidade que permitia, deixou-se ler com alguma
facilidade. Já a partir da curva operada pelo joelho, o exercício
complicava-se, não só pela posição mas também pela passageira,
sentada ao lado daquele corpo feito página, que ocultava
parcialmente o resto do texto.
Eu
lá me esticava toda pelo canto do olho, varria depois o resto da
carruagem como quem se distrai com a presença de todos e cada um,
demorando a vista ora nos passageiros agarrados ao varão metálico,
ora nos que entravam e saíam a cada estação, mas impaciente para
voltar à perna da moça. E voltava, uma e outra vez, até que
consegui concluir a leitura mesmo antes do livro se levantar e sair
no seu destino. Só o
impossível me interessa.
Por sua vez, o meu destino não demorou muito e uma ou duas estações depois,
enquanto saía do metropolitano, pensava que o tal impossível era
bem capaz de ter a mesma natureza dos muitos impossíveis que povoam
os sonhos.
Belo texto!
ResponderEliminarUm sonho que não seja povoado de interesses tidos como impossíveis, não é sonho.
É um anseio pelo qual nem vale a pena o esforço da concretização...
E é esse impossível que nos seduz, Janita. :)
EliminarObrigada!
Brilhante seu texto!
ResponderEliminarImpossível ser melhor!... :) bj
Muito obrigada, Gracinha.
EliminarDiz o povo que não há impossíveis.
ResponderEliminarPelo menos para escrever excelentes textos, não há!
Beijinhos, Luísa :)
Até o alcançarmos, o impossível assim permanece. :)
EliminarObrigada Maria Eu.
Maravilhoso de ler:)) Adorei...
ResponderEliminarBjos
Votos de uma óptima Quarta - Feira
Obrigada Larissa.
EliminarUma viagem de metro encantadora...
ResponderEliminarAs viagens de metro são ricas em curiosidades, Tétisq. :)
Eliminarmuito bem (d)escrito este relance de impossíveis...
ResponderEliminarGrata pelo seu apreço, Manuel.
EliminarImaginei essa longilínea perna.Suponho que pela qualidade do texto.
ResponderEliminarA capacidade de imaginar é toda sua bea. :)
EliminarUm texto nota dez!!
ResponderEliminarObrigada Pedro. Não sei se merece tanto. :)
EliminarTão bom, Luísa :) imaginei a cena ao pormenor, sentada ao seu lado :)
ResponderEliminarE eu gostei muito da sua companhia nesta viagem, flor. :)
EliminarUm texto maravilhoso.
ResponderEliminarAbraço
A Elvira é um doce. :) Obrigada.
ResponderEliminarCinematográfico e muito bem realizado, luisa. Adorei o voz-off.
ResponderEliminarNunca me imaginei como realizadora de cinema, Teresa... Obrigada. :)
ResponderEliminarMuito bom, Luísa! Já me aconteceu algo de semelhante na praia, uma jovem em biquini que na face interna de uma das coxas tinha um relambório que era seguramente maior do que uma estrofe dos Lusíadas. Mas senti-me inibido e não tive lata de me aproximar o suficiente para ler :)
ResponderEliminarObrigada, João Ventura. :) Pois na praia também já vi uma uma mulher que tinha uma frase tatuada em volta da coxa. Claro que não me foi possível tirar conclusões sobre tal conteúdo. Parece-me que está muito em voga esta escrita corporal. O meu cabeleireiro, por exemplo, tem também uma frase na face interna do antebraço. Embora em letras pequeninas, essa já consegui decifrar e diz algo como "Fomos e seremos felizes".
EliminarLuisa
ResponderEliminarBelíssimo e divertido texto. Adoro estas suas crónicas do quotidiano, que me recordam os artigos que a Maria Judite de Carvalho publicava nos jornais.
Creio que o Metropolitano é dos melhores sítios que há para observar a humanidade. Nunca me canso de viajar de metro, pois distraio-me imenso a observar a imensa variedade de pessoas com as quais viajamos durante 8 ou 16 minutos. Talvez seja aquela barulheira infernal que nos permite uma concentração total na observação de quem está ao lado.
Bjos
É o Metropolitana e são as filas nas caixas dos supermercados, LuisY. Fontes inesgotáveis de pequenas histórias. :)
EliminarObrigada pelo apreço.