Tinha
o lugar cinco, junto à janela, mas tive de me sentar no seis - até
ver, pensei, pois poderia entretanto chegar o seu ocupante – já
que o banco um, na frente, estava todo reclinado, anunciando a
intenção do passageiro que até já se aconchegava com uma almofada
de pescoço. Mal arrancou o autocarro, virou-se para mim o passageiro
do banco dois para me comunicar que ia baixar o seu encosto. A
sinhóra, se quisé, podji mudar-se qui o carro vai vazio. Nem
queria acreditar no que ouvia e nem queria acreditar na minha
incapacidade em lhe responder de imediato que bem podia ele mudar-se,
pois se o carro ia vazio para mim, não ia menos vazio para ele.
Ainda resmunguei qualquer coisa entre dentes e sentei-me uma fila
atrás, no banco onze. Na
paragem seguinte, entraram dois novos passageiros, ambos
desorientados quanto aos lugares que lhes cabiam. Já dominando a
geografia dos assentos da viatura, orientei a mulher para o treze
indicado no respetivo bilhete e ao rapaz de barba e bom ar, que
verifiquei ser o legítimo ocupante do seis, expliquei que estando o
seu lugar a servir de apoio ao banco da frente, pois que se sentasse
onde bem entendesse. Ficou logo ali, ao meu lado, no dez, apenas
com o corredor a manter entre
nós alguma distância
pessoal. Entretanto, no banco um ressonava-se a bom ressonar. O rapaz
de barba e bom ar manifestou simpatia, ofereceu-me dos seus
m&ms, que polidamente declinei, e encetou amena cavaqueira sobre
de onde vinha, para onde ia, de onde era, o que procurava, e o que
achava eu. E eu, já achava que me aguardavam três horas de viagem a
ter que dar atenção ininterrupta ao moço. Até que, aleluia,
arrumou o snack,
afastou-se da coxia para o lugar da janela e pegou no telemóvel.
Foi então que começou a ouvir-se, para além da estação de rádio
sintonizada pelo motorista do autocarro e
para além dos roncos sincopados do passageiro do banco um, as falas
transatlânticas que contavam a história de uma tal Josiane e de
uma tal Fabiana, novela de crimes, polícia, prisão e o escanbau.
nã entendo as pessoas que saltam de lugares ou que nos obrigam a mudar... elas nã entendem que o universo nos encaminhou naquele sentido?
ResponderEliminarJá não há respeito pelas leis cósmicas, Mau-tempo. :)
ResponderEliminarEste é o mais longo texto que jamais vi e li neste blog. :)))))
ResponderEliminarTampões para ouvidos e/ou auriculares são aconselháveis para viagens longas...
Um dos mais longos, talvez, Catarina, mas não o único. Embora eu seja mesmo de poucas palavras. :)
EliminarPara a próxima, de tampões para os ouvidos e auriculares terei que me prevenir.
Gostei do comentário da Catarina :)))
ResponderEliminarBoa semana
:) Boa semana, Pedro!
EliminarEssa de inclinar o assento, já me aconteceu isso numa viagem de avião, mas eu protestei. O barulho é menos incomodo do que estar entalada entre dois assentos.
ResponderEliminarBoa semana‼
Sempre há quem recline ligeiramente o assento, mas totalmente como aqueles dois, nunca tinha assistido.
EliminarQue viagem, Luísa. Uma das razões por que prefiro o comboio é os assentos não serem móveis:). Que no seu caso houve um bocadinho de azar.
ResponderEliminarDesta vez, convinha-me o autocarro. Questão de horários e de logística.
EliminarA total falta de respeito pelos outros.
ResponderEliminarAbraço
Exatamente, Elvira.
EliminarTenho essa ambiguidade face aos transportes públicos, se apanho boas histórias e boas personagens, adoro, mas quantas vezes é duro:)
ResponderEliminar~CC~
CC, é verdade que dos transportes públicos sempre se arranja uma história para contar, com bons ou maus personagens... :)
EliminarNão acho piada encontrar o meu lugar ocupada e na viagem aos Açores obriguri a sair do meu lugar... apenas pelo abuso da confiança!!! Bj
ResponderEliminarPois eu também não achei graça a estes dois "senhores gajos", Gracinha. E fiquei irritada comigo própria por ter reagido mansamente.
EliminarNão gosto desses abusos e quando viajo de autocarro só quero usufruir do repouso de não ir a conduzir!
ResponderEliminarAbraço
Esta viagem foi um tanto sui generis, Rosa dos Ventos.
Eliminarnestas viagens, nunca sabemos muito bem o que nos espera. há anos, numa viagem de autocarro, o meu nariz acusou subitamente um cheiro muito ativo, extremamente duvidoso. ainda pensei tratar-se de um passageiro a merendar pão com gorgonzola, ou algo assim. mas afinal o fungo era outro, como a assistente de bordo, também ela alarmada, veio a constatar pouco depois, ao deparar-se com um homem a dormir… descalço!
ResponderEliminarhá realmente pessoas que não sabem estar.
Ui... Nem sei se não é preferível os roncos ou a novela... :)
EliminarLuísa, episódios que surgem para nos dar conta da sorte que temos, quando encontramos pessoas que sabem por-se no seu lugar, literalmente e em sentido figurado.
ResponderEliminarPor certo, mia. Que essas estejam sempre em maioria. :)
ResponderEliminarJá fiz viagens longas em 'Expressos' e de comboio, mas tenho tido sorte com os companheiros de viagem. :)
ResponderEliminarAcho que foi a primeira vez que sofri este tipo de incómodo, Janita.
EliminarLuísa, já me aconteceu isso em comboios e autocarros, mas não cedi a ocupar um lugar diferente do da reserva. Ajo assim porque a cedência normalmente desencadeia o avolumar do problema e consequente confusão, salvo quando é troca directa e o problema fica logo sanado.
ResponderEliminarPor outro lado, quando compro bilhetes com reserva de lugar, escolho o lugar dentro do que está livre. Logo, faço questão que a minha escolha seja mesmo uma escolha feita por mim e não pelos outros.
Abdico sem qualquer problema em situações de força maior.
Há relativamente pouco tempo, viajei durante uns meses com o título flexipasse, um passe especial para intercidades que não inclui reserva de lugar. Aí sabia que só podia ocupar os lugares disponíveis e tinha de me levantar se chegasse uma reserva.
E tens razão, Isabel, em não ceder. Por não o ter feito é que fiquei irritada comigo própria.
EliminarÉ muito típico tudo isso que descreve, mas ainda pior que tudo, para mim, é a mania inexplicável que as pessoas têm de descalçar-se nesse tipo de viagens (como se estivessem em casa...).
ResponderEliminarÉ verdadeiramente uma falta de respeito para com os restantes passageiros, Isabel.
ResponderEliminarEm questões de acidente e seguros, se não estivermos nos lugares designados, é uma carga de trabalhos.
ResponderEliminarSim. Outro aspeto a considerar, Magui.
Eliminar